domingo, 16 de outubro de 2011

NADA

Nada é pouco, nada é pequeno. As emoções vão puxando como uma densa e inevitável areia movediça. O perigo é tão palpável que mancha a pele dos amantes. A areia escorre e ao mesmo tempo preenche todos os lugares habitáveis pelo desejo. A única saída perdeu-se no por do sol.

        Nada é louco, nada é estreito. As palavras confundem-se com as possibilidades dos copos empilhados. O bom senso desmancha-se com o calor que nutre e funde . A lava percorre o vazio e ao mesmo instante que aquece, destrói toda esperança de uma paz futura. A única saída perdeu-se no último suspiro.

        Nada é um soco, nada é apenas. As mensagens em vão se amontoam no canto. As roupas se rasgam ao vento. O fogo sedimenta o acaso. A falha corre entre o querer e o poder. Do mesmo modo que assume , renuncia a qualquer elo, a qualquer laço. A única saída perdeu-se no primeiro beijo.

LUZES E LÂMINAS



A lua tem tua luz tatuada nas costas e mesmo assim te revela
a lua espera e entre crateras vela pela hora da tua entrega
a lua tem tuas horas guardadas nas luzes apagadas de mil velas
Em fugas noturnas, espetáculos privados
esperadas lutas travadas por promessas soturnas
verdades e pedradas ora suaves ora quadradas
A lua reflete suas fases
na lâmina fria que descansa
entre os vãos das palavras
que se mantêm afiadas
quase preparadas, quase atentas
para desfazer qualquer miragem
qualquer suspeita  que em um desejo não caiba

Os cortes que ainda insistem
nas marcas que o aço liberta
nos momentos de um salvar esquecido
de um perceber sem gumes
esgueirando-se no reflexo de mil duelos
na arte de se jogar sem julgar

sábado, 15 de outubro de 2011

O DESEJO DA SAUDADE


Eu molharia minha alma na saudade
Nadaria na correnteza das tuas lembranças
Espalharia água pelas margens passadas
Respingaria fotos e fantasias
Moveria moinhos
Eu mergulharia no teu desejo
Tomaria fôlego para te alcançar
Perderia a direção nas minhas braçadas
Eu te encheria de beijos boca a boca
Desejaria oceano no lugar de lago calmo
Arderia e esfriaria como lava no mar
Transformaria areia movediça em solo firme
Atravessaria com o desejo de cachoeira
preenchendo o vazio da saudade

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A OPÇÃO DO OLHAR

Sempre que olhamos para uma pessoa, temos a possibilidade de encontrar o melhor ou o pior nela. Quanto mais nos aproximamos, mais podemos mergulhar no ótimo ou no péssimo do ser. Se começamos a gostar da criatura, vemos o seu paraíso físico, mental e espiritual. Se implicamos com ela, deslizamos ribanceira abaixo com suas imperfeições mais odiosas.
Perdoamos as maldades do ser amado, justificamos a infantilidade de um colega, adornamos com flores a imbecilidade de um amigo querido. Mas quando não gostamos, destilamos o fel, o cal, o estrume mais potente da sua essência.
 Porque quando somos bons, somos bons. Mas quando somos maus, somos melhores ainda, melhores na acusação, na difamação, na batalha de picuinhas.
Então, que opção fará quando olhar para o seu próximo?

domingo, 2 de outubro de 2011

APRENDENDO COM O TEMPO

Foto de Yanire
Houve um tempo em que eu ansiava por respostas. Não simples respostas, mas imediatas. Cada ato meu deveria receber atenção como determinava a lei da Física: cada ação gera uma reação. Acontece que nem todas as reações são visíveis, palpáveis ou verbalizadas. Há a resposta no silêncio, no esperar entre as pausas, na respiração da dúvida. Muito jovem, eu não pude compreender que a resposta estava ali entre os parênteses dos acontecimentos.
No entanto, eu queria uma resposta, uma reação positiva ou negativa. Não ficar no vácuo. Não meditar no silêncio. Eu poderia entender contratempos, mas não pausas longas demais. Não ainda, não já, não naquela hora.
Eles me ensinaram quando não deram atenção a minha urgência, ao meu suplicar desmedido, a minha apressada necessidade de preencher lacunas.
Com eles, aprendi a não esperar. A não me sujeitar à vontade do outro.`Assim, quando ajo, faço, escrevo, penso, não espero aplausos ou vaias. Eu não espero nada. Não crio expectativas, não alimento medos ou fantasmas. Dou, a mim mesma, aprovação ou desagrado.
E se houver uma resposta, um aplauso, um sorriso, recebo tudo com muito carinho. O momento torna-se especial porque nasceu sem ser arrancado, sem ser exigido.
Ainda me exibo e me acho, vez ou outra, mais especial do que sou. Outras vezes,percebo-me menos interessante do que devo ser.
Nem sempre é uma conquista, nem sempre é um prazer, nem sempre é como colher flores. Arranho-me com os espinhos também. Mas sangro pouco. Porque assim, aprendi. Porque assim me ensinaram sem querer. Ou queriam?

O DESPERTAR DA IRA

O que desperta a sua ira? O que puxa pra fora toda a fúria adormecida dentro de você? Um dos sete pecados capitais pode ser inflamável e volátil. Às vezes, basta um pisão no pé para despertar o monstro furioso. Outras vezes, é preciso cavar, cavar, cavar com toda a maldade do mundo para encontrar o esqueleto irado.
Há pessoas que se inflamam facilmente, mas do mesmo modo, apagam e se tornam cinzas. Destas, eu não tenho muito medo. Como sempre digo, convivendo com esse tipo de pessoa, você sempre sabe de onde vem o tapa. Pode evitá-lo ou revidá-lo. O problema são as pessoas calmas, plácidas, tranquilas. Essas cultivam verdadeiros redemoinhos que puxam energia, abastecendo uma central de mágoa que mais cedo ou mais tarde, vai explodir. Ou implodir?
A raiva quando não expressa, não trabalhada, não posta de castigo num canto e disciplinada, tende a se esconder debaixo de sentimentos camuflados. Surge então a depressão. De tanto reprimir a raiva, a ira, o caldo ferve e esburaca a emoção. É o câncer emocional, a energia mal canalizada que trava tudo.
Devemos ser irados? Não. Coléricos? Só por cinco minutos e longe de objetos cortantes. 
Negar a ira, não a elimina. Melhor convidá-la para uma conversa e descobrir suas razões.