sábado, 31 de agosto de 2013

A SEGUIR

Vamos por ali, disse o cavalheiro confiante. Ela, por sua vez, não titubeou em seguir por aquela estrada. De mãos dadas, parecia mais fácil desviar das pedras que tantas vezes lhe feriram os pés. Sim, andava descalça, desarmada contra qualquer obstáculo. Era toda inocência, mais de alma do que de corpo. Imaculada esperança de se fazer entender.
O caminho não parecia infinito. Havia ali uma poeira subindo, confundindo o horizonte, como a união de terra e sonhos. Ela nem pensou em buscar outras rotas, atalhos e descanso. Em seu coração, consultava bússola e oráculo. Era entrega, risco e um pouco louca também. Porque nem tudo se explicava com a razão. 
Os passos aos poucos encontraram sintonia. Como cúmplices, ouviam o mesmo pulsar, o mesmo soar de sinos à distância. De tão juntas, as mãos já se reconheciam como única matriz. As linhas das palmas emaranhadas, entrelaçavam destinos. Tarde demais para qualquer possível volta.
Saber que podia seguir sozinha, ela sabia. Conhecia trajetos mais perigosos, crateras da lua e pedaços do inferno. Já tivera seus dias de batalha sangrenta, dragões ensandecidos, ameaças constantes. Já vira o desejo de ponta cabeça, a alegria desaparecer por completo, o viver se perder de repente. Tudo já presenciara, mas negava guardar cicatrizes. No máximo, acumulava fortaleza. O resto era só vontade de seguir em frente. 
Por tudo isso, era companhia de verdade. A mão era delicadeza e confiança. Só podia se entregar se soubesse que era de fato capaz de seguir sozinha. Era. Mas não queria. Desejava seguir sem contar as pedras. Para ser e fazer feliz. 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A ENTREGA

De repente, o querer torna-se vendaval. Desses que arrancam raízes e razões. Sem muito tempo para pensar, o encontro acontece como desde o princípio deveria ser. Plena descoberta em oceano de emoções. 
Não saberia mais separar o que invade pele e alma. Limites desfeitos, deleite abrigado, mensagem decifrada. Marcada com beijos e palavras, seguro o fôlego e mergulho. Ao alcance das mãos que ainda procuram o secreto momento. 
Sem medos, sem reticências, sem meros acasos . Abençoado encontro que se revela tão próximo. Em trilha de luzes que se expandem em estrelas surgidas no ontem. A presença de um sol, de um aglomerado celeste que talvez defina o que se vai desenhando em mim. 
Palavras repetidas como mantras. Tão insistentes que se fazem permanentes, ora  iniciais em troncos despidos, ora cicatrizes no corpo ainda quente.
O tempo balança devagar como promessa. Pele sobre pele, olhos em sonhos mergulhados e o mundo buscando calma em beijos e abraços. Palmas encostadas até que as linhas se confundam. 
Desejo de fazer feliz que se confidencia em oração silenciosa. Não abrigo mais uma história. O enredo é agora meu guia e os personagens há muito trocaram de cena. 
Peço silêncio para que possa refazer o trajeto dos pensamentos. Tanto sentir me causou estranhamento. Já não sou a mesma. Parte de mim se foi, clonada, em arte transformada. Entregue enfim.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

MIGUEL


Ele chegou. Tão aguardado, em sonhos acalentado. Um anjo que foi enviado em nuvens de saudades. Saudade de quem não pôde ficar. Decerto o encheu de beijos e carinhos antes de partir de lá. Sim, ele veio de lá, do alto, ou de outro plano, daquele lugar onde se produzem amores com asas. 
Não há dúvidas: foi batizado com a felicidade. Do ventre da mãe, pôde já receber o amor. De todos, de muitos, de fadas, duendes e seres mágicos também. 
Receba sempre sorrisos e caminhos. Que o sol sempre lhe abençoe com saúde e alegria. Que a lua embale seu sono com canções e ilumine seus sonhos. Em laços de sangue ou somente amor, complete a união entre estrelas. 
Miguel chegou e nada mais será o mesmo. Nem os pais, nem a vida. Tudo transformado em arco-íris. Seja bem-vindo, menino amado. 

domingo, 18 de agosto de 2013

SE FOSSE UMA DECLARAÇÃO...


Tudo bem, é quase nada. Ou talvez seja miragem, delírio, perturbação de uma tarde sem razão. Meus pés molhados no mar, minha cabeça ameaçando neblina. 
Não me peça para enxergar. Não sei calcular sua presença em mim. Com quantos sinais se chega ao resultado? Depois de quantas palavras se toma fôlego para acreditar?
O capricho do início derrotou minha resistência. Meus olhos já recolhiam promessas antes do amanhecer. Seria mais seguro seguir ceifando ilusão com ironia. Mas de repente, meu braço cansou da luta. Só quis ser abraço e redenção. Só quis acompanhar, deixar mão alcançar mão. 
Peço outra alternativa, em vão. Outro caminho não há. Nem mesmo atalhos posso seguir. Sem pedras no bolso, só me resta percorrer essa trilha que me oferece. Se abre um pouco, de tanta terra batida, maltratada quase maldita. 
Pedaço a pedaço, conquisto um sol do seu lugar. E enquanto espero, tudo acalma, obriga pausa, simula paz. Aceito porque outra opção não me dá. Então, recomeça tudo: pés, água, neblina, nuvem, braço em abraço, mãos e beijos, silêncio da chegada. O que será? Não sei. Nem preciso mais saber. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O SEXTO

Não era para ser, mas foi. De maneira natural como a criação. Era dia dos animais, dos domésticos e selvagens. De Adão e Eva em sua primeira tentação. As horas correndo em direção ao apogeu. Não era dia, não era encontro marcado, mas assumido desejo de reencontro. Foi então como deveria ter sido desde o dia que se fez luz. 
Ela observava os minutos como se eles pudessem congelar sob o seu olhar. Eles só deslizavam para baixo de todas as expectativas que agora surgiam. Na pressa de uma surpresa recém anunciada, não tinha tempo para se deixar levar pela fantasia. Pequenos detalhes teriam de ser suprimidos, varridos para o mais tarde como se promessas não fossem permitidas ali. 
O universo preparado só para aquele instante. Egoísmo de enamorados, contorno de estrelas desenhado a lápis de cor. Estenderia tapete vermelho, talvez roxo, se pudesse demonstrar o quanto ali a alegria lhe aguardava. Talvez ele entendesse o que pretendia mais do que ela mesma. Talvez a calma o abraçasse com mais frequência. Dela só poderia surgir tempestade camuflada de brisa. Contida, em sorrisos quase adormecida, a intensidade ali estava. Nos olhos que buscavam esquecimento e desculpa. Nas mãos que percorriam pele e descoberta. Naqueles passos que tontos já se pareciam tanto com o caminho. 
Era o sexto. Em sentido estendido. Vidência mais do que aguardada. Selvagem união que só se cobrava desapego. Em paraíso perdido, borboletas em esboçado voo. A partir dali, só o descanso.

sábado, 10 de agosto de 2013

SEM RAÍZES


Arrancaria raiz se assim poupasse tempestade e treva. Folhas de todas as cores espalhadas pelo solo. Pisoteadas em febril decisão. Algumas verdes de esperança desperdiçada. Outras tantas tingidas com o cobre pesado das desilusões. Havia vermelho de uma paixão ali varrida e distante. Sem seiva, a multiplicação de quedas era apenas desculpa mal dada pela natureza. Tudo fenecia, perecia como promessa quebrada.
Recolher flores já não podia. Elas já pousavam em cabeças ungidas de juventude. Grinaldas ou coroas que embelezavam anjos e fadas. Alheia novidade, em vasos também presente. De colorida somente a morte que recobria raízes e terra. Bela anarquia de elementos a caminho da podridão.
O tronco firme a lhe servir de apoio às costas que pediam descanso. Era tão exaustivo seguir avante quando tudo parecia murchar em desatenção. Era tão triste descobrir vala onde se esperava girassol. Afundou os pés naquilo que lhe parecia toda sorte de lama. Em lágrimas, fez-se irrigação. 
Queria ela própria enraizar-se, perder o contato com o móvel, desistir de todas aquelas trilhas adiante. Ficaria ali se pudesse, fixa, até ser absorvida por madeira e medo. Seu sangue seguiria nos veios daquela árvore. Cortaria desejos para se alimentar do impossível. Se pudesse, assim o faria. Só que não podia. Não pertencia àquela floresta, não era aquela a sua natureza. 
Retirou pés com cuidado e respeito. Não desejava deixar pegadas ou marcas. Que se permitisse ser esquecida. Porque devia ser. E seria...

TEUS OLHOS EM MIM


Já foi o dia. Passou a noite, rasteira e silenciosa. Orvalhadas expectativas de um novo começo. Ou, talvez, de não mais precisar desfazer laços e nós. Amanhecer simplesmente com a intenção de não mais pertencer a este ou àquele caminho. Ser, de novo, mistério e intenção. Desapego e alento. Jura e sorriso. 
Quando quieta me enrosco em planos que mal tracei, percebo que não estou só. Que já me visitas. Desnudas minhas reservas, como quem já conhece o caminho de me perder. Em sonho, em pensamento, em jornada de não querer mais.  
Invisível presença. Como vento quente, que conforta para depois varrer lembrança e poeira. Mesmo de diamantes. De brilhantes risos. Em pó, retornará passo e cansaço. 
Sinto teus olhos sobre mim. Não pesam. Não violam. Estão como que em espera, aguardando o trem dos acontecimentos. Meu corpo, estação interditada. Ameaça de bomba, fechada conexão. Sem mais deslizar pelos trilhos que de mim partem. Sem socorro, olhos percorrem desvios e vazios.  
Silencio, me aquieto, para não mais ocupar espaço demais. Se me perceberem inerte, talvez, teus olhos não registrem mais dor. 
Passagem e paisagem, só de relance encaixe. Que sejam doces visões, porém sem apego. Porque se teus olhos mergulharem em águas turvas, terão mesmo de descobrir o profundo esquecimento. 
Em mim, se perdem desejos. Em mim, se desfazem sonhos e  destinos. Em mim, pousam teus olhos. 

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

EM DESALINHO

Já quis ser mais. Muito mais. Envolta em suas próprias promessas e alguma ilusão de ego, ela desejou ser outra. Aquela que não soube abrigar. Que se perdeu no tempo por desconhecer quem de fato era. 

Dor, caminho sem chão, mesa sem cadeira, esperança de tolo. Ela saberia entender, dividir as horas, fazer paz e guerra sem piscar duas vezes. Ou talvez não. Já era em pedaços desperdiçada. Por sina, emprestada à incomodação.
Desejou demais. Aceitou de menos. Alcançou o que deu. E pouco cedeu. Assim, fez seus olhos o mapa do deserto. Completou palavras cruzadas de outro. Sujou louça com expectativas e lavou vidraças com lágrimas. O estranho lhe pareceu tantas vezes lar.  
Desejou chão e mar ao mesmo tempo. Foi mais oceano do que porto. Se a natureza carregava a culpa, ela se encolhia sem respostas. Não queria assim. Amarras e cortes. Doces que azedavam com o calor dos dias. Ela azedou. Perdeu pétalas e sonhos.  Ficaram todas espalhadas em solo arenoso. Porque outra primavera viria. 
Cobriu espelho e alma. A luz infiltrava-se como conforto e trégua. Vinha para dizer que já bastava. Que não precisaria mais rasgar planos e beijos. Que era mesmo preciso ir, de lá estrear nova partida. Juntar coragem e não aguardar mais. Ser o olho do furacão e esquecer a paisagem. Não olhar ferida ou destroço. Era fim.
Caminharia pela beirada do abismo, desafiando eco e vazio. Porque dela dependiam resposta e saga. Em retas, não saberia mais seguir. Tinha as costas doloridas com o peso do que vivera. Largar, desistir de transportar ilusões era o mais difícil. Perdoar seus passos, desalinhar intenções. Apagar marcas e sinais da sua presença. Fingir não se importar em partir. Mas se importava. E muito.
Já era tarde. Partiria, com novas cicatrizes, novos humores, deixando sobre a mesa, chaves e afeto. Sabendo que era o certo. Em torto entendimento, mas o certo. 

domingo, 4 de agosto de 2013

TEU


Sem posses, sem curso ou discurso, entrego o que de melhor possuo. Não há definição para o que carrego para te ofertar. Não é laço, acaso, cansaço. Não se traduz em palavras, nem pesa como ouro ou prata. É somente teu como devia ser. Sem contrato, sem valia comprovada. Um pouco de tudo e muito de cada. 
Não há orgulho no presente que te desembrulho. Não há vaidade nos papéis que se rasgam. Há somente o que pensava ser meu e já era tão teu. Acompanha música e beijos. Espaço e descanso. Será preciso usar luvas de gentileza para que não se estrague o que te chega. Delicadeza de olhar e coração. Apreciação de conhecedor, emoção de sonhador. Toda tua experiência será apenas inocência, já que é tudo tão antigo e puro. 
Pedra preciosa não é. Nem carne, nem ossos. Não precisa de olhos para ver, nem de qualquer sentido para prever. Descansa instinto e receio. Desarma defesas e reservas. Invade como onda ou talvez destino. Atravessa pele, inaugura sensações. Esquenta, mas não queima. Adormece em teu corpo e acorda em tua alma. 
Não vendo, não troco, não compartilho. Já nasci assim, proibida de desfazer do que já levava teu nome. Não são só palavras. Não é somente emoção. É o avesso do que já vivi. É o começo do que nem prometi. É caminho não percorrido. É o que nem sei nomear. 
Talvez não te agrade. Talvez seja do tamanho errado, da cor trocada. Talvez seja exagerado, inadequado, fora de hora. Mas é teu. E isso já não posso mudar. 

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

PRONTA


A sensação de dominar a cena. Em meio a um espetáculo de luzes e cores, ela sentou-se na ponta do palco. Balançou pernas deixando os calcanhares baterem desobedientes. A peça poderia acabar, os atores emudecerem, a cortina fechar.
Dali, ela percebia o mundo, a plateia que a fitava em espanto silencioso. Eram suas próprias expectativas buscando aprovação. Mas ela continuava lá, sentada em pleno abismo, aguardando a deixa. Não tardaria. Não a decepcionaria. Sua vez já estava  ali marcada para acontecer.
Reprisou mentalmente todas as cenas, argumentando com personagens fictícios ou não. Seus lábios se moviam em trêmula prece. Que fosse logo, que fosse hoje, que fosse agora. 
Enquanto os outros, atores, figurantes e inexistentes procuravam manter a trama, aumentando ritmo e volume de falas, ela ali permanecia. Como desalinho do constante, empecilho do previsto e estudado. Um ponto destoante, pregado ali no instante errado. Ameaça de corte, de loucura, de tantos nãos. Ela mantinha pés em batida, cabeça erguida. 
Dominava a plateia com aquele sorriso de desconcentrar multidões. O sucesso já lhe beijava. A trama  poderia acabar ali, os personagens abandonarem a cena ou a cortina se fechar. Ela ali permaneceria, a balançar pernas e sentidos. Entre aplausos ou vaias. Era antes de tudo, mais feliz do que o mundo, pois o amanhã lhe pertencia. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

QUASE EQUILÍBRIO


Dependia só dela. Já sabia disso. O equilíbrio entre o querer e o aceitar. Não muito animada com as escolhas que caberiam a ela, preferiu silenciar vontade e tempestade. 
Respiração lenta para não apressar mais os pensamentos. Repetição de mantras inventados só para apaziguar o momento. Coluna mais ou menos ereta porque os caminhos assim o permitiam. Pés afundados em areia, talvez movediça como seus sentimentos. Olhar distante como se adivinhando o horizonte. 
Ela não estava mais ali. Não de todo. Em parte, precisava estar distante e neutra. Por hora, por aquele período de necessária ausência. Para tranquilizar dragões e serenar vulcões. Refazia cenários como quem troca incêndio por paisagem. 
Tentava em vão, escapar da teia imaginária. Rasgava fio a fio, depois tecia novo labirinto. Mãos nervosas, boca seca, pele arrepiada. De onde viria o desassossego que insistia em chegar sem convite? 
Sem sentido algum, mais fera do que bela, a intuitiva versão novamente se esgueirou pelos corredores da sua mente. Os soldados da sensatez logo a avistaram e prontamente a seguraram. Por um minuto ou dois, até quando a meditação conseguisse planar pensamento e instinto. Pouco, muito pouco, nem perto do suficiente. Amarras arrebentadas com um sorriso fácil, um gargalhar mais profundo, um fungar de corpo e alma. 
E lá se foi o equilíbrio. Pra longe, se perdeu prazo e disciplina. Encostada em premonições estranhas, ela forçou inercia. De tudo, se cansava. Porque ali não estava o mais desejado, o mais batalhado, objeto e sujeito. 
Era um jogo, talvez perdido. Ela não gostava de jogar. Por talento ou não, era mais vida do que trama. Mais sentir do que orquestra. Mas precisava ficar, calar, adormecer um pouco. Deixar passar. Ela não passaria.