quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A CAIXA

Se ainda fosse uma surpresa, seria a mais bela. Arabescos aveludados sobre o ouro folheado da tampa. Aberta, revelava novo encantamento. Pequenos casulos, colmeia perfeita de doces confeitos. O aroma de chocolate subindo pelo ambiente e as pequenas jóias sendo observadas e cobiçadas. Mãos, entre ansiosas e delicadas, conferiam a variedade ofertada.
Pequenos vazios começaram a surgir destruindo a unidade perfeita do momento. O doce paladar ganhando a disputa facilmente. Sem tempo para imprimir digitais, cada bombom era devorado com vagar de conhecedor. Como a vida deveria ser degustada, com lerdeza de casal se abraçando em câmera lenta.
Então, entre a mordida e a lembrança adocicada, surgiu a imagem. Do resto que se apresentava ali, o vazio tomaria conta. Sobrevivente, a caixa poderia ser esquecida em um canto qualquer. Sobre uma mesa cheia de pratos sujos. Escondida entre os livros ainda não lidos. Onde estivesse, carregaria ainda aquela imagem de romance. Mesmo que em nenhum instante beijos tivessem sido propostos.
Imaginou-se então, destino mais nobre para a embalagem vazia. Fosse como fosse, aquela relíquia deveria ser preservada. Não apenas reciclada, porque perderia todo o encanto. Seria mais justo manter seu histórico de sonhos e abrir novos enredos.
Ali, algo seria guardado. Embalado entre promessas feitas de papel de seda. Velado, protegido, camuflado. Volumes pequenos, estreitas revelações. Cartas com antigas mensagens aguardadas. Talvez reunidas de cinco em cinco e envoltas por laço carmim. E o cheiro de chocolate misturando-se a gotas perdidas de champagne. Porque assim era a festa que ali se anunciava. As palavras manchadas de passado e a tinta mesclando-se ao que ainda viria. Ali, na caixa, deitaria linha por linha. Dali, sairia mais inspiração do que razão. Feito Pandora, que nem sempre seria o agora.  
 


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

MEU CORAÇÃO TEM FOME

Afundo o rosto no travesseiro como se mergulhasse em outra dimensão. Teria mais chance de nada sentir se me transformasse em personagem, em lenda, em qualquer coisa que não me tornasse tão humana.
Cacos dos meus pensamentos juntam-se no mosaico interminável da saudade. Tenho pressa de quem deseja e paciência de quem sabe amar. Remonto quebra-cabeças só para parecer indiferente ao tempo que escolhe passar devagar. Leva, com ele, acorrentado querer.
Sempre e nunca misturam-se na bacia das impossibilidades. Tenho as mãos feridas de tanto golpear a porta dos acontecimentos. Reclamo, aflita, por mais do que nem devia provar. Não há proibições quando diviso fato e sonho. Nem tão pouco a aguardada permissão para que o delírio se descongele em poças de prazer.
Há fome de todos os tipos sobre a mesa. Apetites gigantes que acompanham olhar, cobiça e alegria. Migalhas nem são desprezadas. Acumulam-se feito expectativas de noites mal dormidas. Pratos lascados, copos manchados de batom, talheres jogados como armas inúteis após o combate. A toalha rendada de beijos cobre todo o medo, toda a ausência, toda a possível culpa. Cai sobre mim como céu estrelado de promessas.
E o coração bate, ansioso, temeroso de que não chegue nunca o momento. Transmite sinais estranhos a qualquer ser, em qualquer língua desconhecida. Frágil e guerreiro. Voraz e estrangeiro. Pelo sentimento esticado ao sol, bate, palpita, dispara em direção desconhecida. Tem pressa. Tem alma. Tem fome. De você.
 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

DIAS SEM NÓS

É, o mundo não acabou. O céu não desabou sobre nossas cabeças tumultuadas de sonhos. Tenho, portanto, alguma chance a mais de ver meus planos traçados e realizados. Guardo minutos em gavetas imaginárias só para poupá-los do desgaste do cotidiano. Embrulhados mimos de um desejo que despertou comigo.
As horas subindo e descendo as escadas rolantes da imaginação. Portas batendo fora do ritmo dos acontecimentos. Onde estamos nós que não nos encaixamos no aqui programado? Reviramos a agenda das oportunidades e rasgamos as férias, os feriados, os fins de semana que não nos esperaram. As noites perdidas, sem sono, sem dono, sem como chegar. Tropeçamos em degraus que nunca existiram. Obstáculos invisíveis que nos desafiam com a finitude de tudo.
Nada será tão infinito enquanto dure. Não obedeceremos às regras do poeta. Teremos mais razões a cada momento para deixar a vida tomar seu rumo. Antes que tudo se torne propriedade do acaso.
Daria quase tudo para não ceder à intenção do tempo. Desataria nós se não sentisse pena de desfazer o laço. Abriria os presentes antes da hora só para não ter mais que adivinhar de onde vêm as graças. De todos os papéis, teria um preferido e o desamassaria com carinho de quem quer poupar o momento.
Mas tudo é muito pouco, tudo é tão ínfimo quando o calendário comanda. Traços vermelhos cobrindo tudo o que já se foi. O contraste do futuro em números definidos, maiores do que todas as nossas expectativas. A espera revela-se dolorosa e ao mesmo tempo terna. Misto de esperança e inquietação. Menina esperando Papai Noel chegar e deixar sob a árvore dias e sorrisos. Ter o aperto de um nó desmanchado na certeza de mais de nós. Muitos nós. Nossos.
 



quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

SE A CHUVA VIER....



Nuvens ameaçavam fazer a noite molhada e surda. Promessas de um recolhimento já não tão necessário assim. Lençóis revirados anunciando uma desordem contínua. Os pensamentos reunidos em um canto esperando o melhor momento de dar um basta na torrente de emoções. Por onde ela deveria começar?
Retirou o pó da mesa como quem espera que brotem fadas e duendes. Esfregou as paredes para ver se o esquecimento alvejava a tinta gasta. Limpou, lustrou, encerou os móveis e também os imóveis espalhados pela sua vida. Tinha pouca pressa na limpeza. Havia muita ausência espalhada pelos cantos. Se espirrasse agora, expulsaria a falta de notícias? Ou será que era o acúmulo de novidades que a deixava assim tão perdida entre os pensamentos?
A música também não ajudava. Estava convicta de que suas emoções reagiam às melodias ouvidas. Coisa de gente doida, diria sua tia. Mas era assim que funcionava: uma canção romântica puxava a princesa à espera do cavalheiro que viraria sapo de tempos em tempos. Um rock pesado talvez a mantivesse longe daquela bruma entorpecente lá adiante. Preferiu o silêncio e tudo o que  pôde ouvir  foi seu próprio suspiro. Não era aflição nem agonia. Era apenas o vazio ganhando forma e som.
A chuva começou a cair, devagar como a querer silenciar e flagrar um amante. Depois, perdendo a paciência com as delicadezas do porvir, adentrou a noite chicoteando os telhados e lavando o solo pisado do dia.



domingo, 16 de dezembro de 2012

DIGA SIM PARA O MEU NÃO

Ouça. Guarde minhas mensagens somente para você. Veladas, aguardadas confissões. As palavras possuem seu ritmo próprio. Não tente apressá-las. Nem sempre serão ditas,mas elas estarão aqui para você.
Após o o temporal, deixe que as gotas do desejo deslizem pelas frestas do tempo. Perceba a umidade de um beijo instalado no vão da espera. Com cuidado, abra as portas para os próximos dias só nossos.  Que os seus abraços se instalem na minha vida como hóspedes que vão ficando sem hora de partir.
Assuma meu olhar como espelho. Tenha como bússola meu riso. Perca o rumo, mas não  a mim.  Dance, me alcance no ritmo que puder. Que os seus passos deixem pegadas na imaginação.  Se quiser, denuncie os invasores do sonho. Comova os espectadores que nos aplaudem. Torture a pressa, essa inimiga sempre à espreita. Negocie com as alternativas que nos afastam. Torne o momento único entre todos os já vividos.
Negue o choro. Corte as cordas que me prendem. Sussurre o meu nome no diminutivo para que o mais aumente. Ensurdeça os medos com um só olhar. Que ele dure a eternidade que nos pertence. E que nada mais seja dito.
Oriente as pausas na direção certa. Escureça o dia para que a noite possa se desnudar sem pudores.
Permita que eu ria muito antes de chorar. Que eu tenha sede, fome, tontura, agonia diante dos seus lábios. Que eu sobreviva a cada perda de fôlego. Me dê a paz, a luz e a  intenção de ficar. Revele certeza onde perco a fé. Afirme amor onde reina minha dúvida.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

JURO QUE TERIA

 
Eu teria sonhado com você. Rasgaria os meus medos e atiraria todos ao vento. Viveria mais uma fantasia se a realidade não bastasse para nós dois. Seria sereia, estrela, a constelação inteira se preciso fosse para mergulhar na sua vida. Eu teria cortado galhos e arrancado raízes só pra seguir viagem ao seu lado.
Eu casaria com você.  Então, juraria fidelidade eterna. Prometeria felicidade de graça, alegria matutina e travesseiros de nuvens. Suspiraria só para parecer mais romântica. Vestiria as roupas mais leves e lindas. Acordaria com um sorriso para anunciar o seu dia mais feliz.
Eu teria me desvinculado de tudo que não fosse nosso, só para não perder nenhum momento que tivesse seu nome. Adoraria os mesmos deuses. Adormeceria na sua calma e lutaria na sua ira. Eu seria sua se o limite fosse seu corpo.
Eu entregaria todas as armas. Deixaria cair todas as facas, espadas e adagas. Seria só prazer por ter você mais perto do que nunca.
Eu teria feito isso e muito mais. Eu seria louca, perdida e talvez feliz. Se fosse outra pessoa. Se não fosse eu. Teria sido um sonho. O seu sonho.


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

CAMINHO DESFEITO

 
Os dois caminhavam lado a lado, mas sem se olharem. Tinham os olhos em um ponto qualquer mais a frente. Ora se davam as mãos, ora se repeliam momentaneamente. Não havia palavra que cortasse o silêncio, nem razão para permanecer calados.
Era a dor do desconhecido. O medo de navegar por aquele oceano tão profundo. Então, só enxergavam o abismo se formando entre eles. O código da salvação estava em suas mãos, mas teriam de decifrá-lo juntos. Estariam dispostos a isso? A lançar as garantias pelo vão,  desviar das metas, confiar somente no caminho?
Não contavam as estrelas. Nem mesmo pareciam percebê-las. Talvez fosse mesmo preciso ignorá-las já que adiante o desfiladeiro anunciaria o fim. Quem desenhou esse abismo? Quem espalhou as tintas sobre a mesa do destino?
Escolha feita. Trama desfeita. Que tenham a vida que mereçam. Que o mundo se revele mais terno. Pois esses fios partidos não se refazem nem por encanto. Desamassem os papéis, repassem os diálogos, mas nada terá o mesmo espanto.
Há luz, mas não a mesma direção. Há flores, mas não o mesmo caminho. Há dois. Sós.

 

EU QUERO SOMENTE

Eu quero assim mesmo de repente. Que seja impreciso e mesmo contente. Nem mais urgente do que todo o meu desejo. E acrescente o que ainda não se sente.
Eu quero muito e nem um pouco menos. Que seja excesso sem providência. Nem mais prudente do que preciso. E revele o mundo que desconheço.
Eu quero sempre e de novo. Que seja belo e persistente. Nem mais insistente do que meus sinais. E adormeça em meus sonhos.
Eu quero assim doce e completo. Que seja ardente e mesmo indecente. Nem mais presente do que futuro seja. E aumente o que ainda não se mede.
Eu quero hoje e não somente. Que seja quente e mesmo sem fim. Nem mais poente do que crescente. E refaça tudo o que melhor se sente.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

ALA PROIBIDA

 
Você será bem-vindo. Talvez goste do jardim no caminho da chegada. Olhe as flores e nem desconfie dos espinhos. Perceba o aroma de contentamento pela sua visita. Enxergue as pegadas quase apagadas pela trilha da coragem. Neste ponto, estará disposto a seguir em frente. São mais sorrisos do que lágrimas. É mais doce do que amargo. Olhos brilham, promessas são feitas, encontros celebrados.
Passando esse portal mais adiante, a história é outra. Eu pensaria duas vezes. Mentira, eu nunca pensaria mais de uma vez. Já teria entrado e estaria dançando no salão principal. Mas esta sou eu, danço não só conforme a música, mas até sem ela. Não posso exigir que você tenha a mesma loucura embutida em suas expectativas.
Se levantar os olhos, verá que da janela alguém lhe acena. O futuro talvez. Um vulto de felicidade, quem sabe. Uma ilusão perdida, não sei. As expectativas são altas como aquela torre. Não há Rapunzel ali, não há nem mesmo cabelo suficiente para uma trança. Desista, se precisar de ajuda para subir. Cada um constrói sua escada como pode. Só não atire pedras nas vidraças. Elas quebram e me cortam.
Se passou pelo portal, se alcançou a porta que divisa o seu mundo do meu, então já sabe o que virá. Que rirá do ridículo de algumas situações. Que se emocionará com muitas imagens e sentidos descobertos. Terá orgulho de tudo o que despertar em mim, de prazer a dor. Como se eu fosse quase intocável.
Então, verá aquela porta à esquerda, batendo junto ao coração. Correntes enferrujadas protegendo algo ou alguém. O que está fora ou o que está dentro? O desgaste da madeira indica a passagem do tempo por ali. Vê essas marcas? Não são decorações. Nem condecorações. São mutações. As minhas, todas minhas.
A curiosidade pode ser maior. A sensibilidade lhe leva a perguntar quais problemas há ali. Se pode ajudar, se pode ficar mais um pouco. Encosta o ouvido na porta e só escuta um eco ao longe. Nada de crianças brincando, fadas gargalhando, ciganas dançando. Talvez um crepitar de fogo. No geral, o que há ali é silencioso e pesa feito chumbo em noite de tempestade.
Pedirá licença para entrar ali. Ouvirá alguns nãos, algumas advertências. Acusará frieza, delatará insensibilidade de iceberg. Mais por impaciência do que por orgulho ferido, eu abrirei a porta. Vê? Não há uma geleira aqui. Antes fosse, não é mesmo?
Ao olhar seus pés, perceberá algo lamacento se aproximar. Lava ou areia movediça? Que tal os dois juntos? Tudo é quente, pesado e afunda. Nessa altura, se perguntará o que está fazendo ali. Natural que assim seja. Mas foi você quem quis entrar, lembra? Com a emoção evaporando, eu direi que não preciso de ajuda ali. Que não pedi ajuda. Que não exigi nada. Só não me peça exclusividade emocional com a alegria.
Posso fechar a porta? Nem descemos os degraus, eu sei. Que necessidade há nisso? Me diz como não ter vontade agora de fugir. Conta os traços na parede. Olha quantos dias, semanas, meses e anos se passaram. Não sobrevivi bem até hoje? Não enchi a casa de flores e os olhos de graças? Voltemos a minha natural vocação para a alegria. Falemos sobre o meu talento em fazer você feliz. E nunca mais voltemos para cá. Ala interditada.
 
 


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

PASSARÁ



Não sabia qual era a dor maior: do ventre rasgado em tiras de promessas ou da ilusão transformada em pó. Tudo misturado, tudo salpicado com o sal das lágrimas. Não era seu aquele sangue. Não eram mais as ondas do sonho por onde tantos dias havia navegado. Apenas reflexos de um pesadelo que teimava em se estender sobre a cama, sobre o seu corpo, sobre os lençóis das emoções.
De tanto sonhar, gerou mais minutos. De tanto querer, cultivou campos inteiros de esperança. Arrastou correntes demais que araram solo sem consolo. Semeou medos e anseios insanos.
A verdade arremessou seus sentimentos contra paredes de concreto puro. Arranhados, pele e ossos sucumbiram à realidade apresentada. Queria sumir. Queria mesmo morrer. Mas não morria.
Decidiu queimar seus planos mais queridos, aqueles elaborados em rendas de açúcar. Aconchegou-se no calor produzido de suas cinzas. Sentiu o gosto de água e fênix em seus lábios.
Cega, surda e quase muda, percorreu os corredores do desespero, arrastada pelos sentidos mais profundos. Não era a sua vontade. Não era a sua razão. Mas era a Vida e dela não se corre, não se nega, não se tem licença. Não se baixa a cabeça perante os desígnios das batidas do coração.
A música fez-se ouvir, como hino vagaroso que aos poucos dominava a histeria do momento. Depois, notas tornaram-se orações sussurradas. Mãos foram estendidas, abraços dados, choro compartilhado. Diante da herança recebida, da luz concebida em segredo, ela não pôde mais se conter. Arremessou-se como estrela ao céu do presente que se desembrulhava sem garantias. Fechou os olhos e experimentou o eco dos seus próprios saberes. Então uma voz ao longe disse: Não prometo a felicidade instantânea. Nem a ignorância do sofrimento. Prometo apenas, amiga, que a dor vai passar.

DOSE FATAL

Congestiono o entardecer com meus pensamentos. Há neles todo tipo de devaneios tortuosos. Como se, de repente, eu visse tudo pela primeira vez.
Emudeço diante do altar erguido à minha semelhança e dor. Em todas as oferendas, revela-se a sua inexplicável ausência.
Questiono os seus temores. Expostas suas razões em bandeja de prata, nenhuma delas me satisfaz. De onde surgiu a ideia de desgastar meu tempo e lapidar minhas virtudes? Sou tão crua, bruta e nua como antes.
Reparo nos olhares trocados. Pétalas de esquecimento esvoaçam pelo caminho do arrependimento. Sulcos precipitam-se em depressões indefinidas. Onde está sua razão agora?
Golpeio sua sensatez. Deveria ter me prestado juramentos. Sim, permitiria uma mentira ou duas. Opaca meia lua da sinceridade clareia o que nunca quis ser revelado.
Pressinto. Hesito. Colho provas antes da verdade exposta. Abro as mãos, soberana e doce. Sossego seus receios com beijos. Ou tento.
Mato. Dose fatal de verdade, muito bem digerida.
 


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O TÉDIO

É, não tem jeito. Um dia, você vai olhar em volta e suspirar. De tédio. Sentirá falta da adrenalina do duelo, do inconstante jorrar de sensações. Então, toda essa sua calma determinação ruirá. Seu projeto de ser normal cairá por terra. E eu serei a água invasora a conduzir seus sentimentos.
Será, de fato, muito confuso. Em tudo, buscará apoio e se permitirá ter medo. Eu ainda estarei ali, deslizando entre seus lábios, ignorando  qualquer obstáculo. Porque em mim, nada se tornou rotina, nada fincou bandeira, nada se apaziguou.
Esse dia chegará.Talvez com sol, talvez com chuva. Será como um furacão manso arrancando raízes sem destruir suas árvores. Que tombem passivas e renasçam em outros campos. Daqui por diante, não temerei mais nada. Nem mesmo o sol escaldante da sua presença.
Resta-me a esperança por tanto conhecer seus sonhos. Toda essa ilusória segurança não encontrará abrigo para sempre em sua vida. Um dia, abrirá a janela e jogará fora todas as possibilidades de um futuro medíocre. Então, eu serei o ar a receber suas promessas, seu livre abandono sem garantia alguma.
Esse dia há de chegar. Imperioso acontecimento que lhe devolverá a vida. Libertarei seus sonhos e alimentarei seus devaneios. Na areia do tempo, traçaremos nossos planos que serão logo desfeitos.
Sim, talvez me odeie por isso. Talvez sofra por não mais mergulhar no morno cotidiano. Mas duelaremos orgulhosos, sem temer o amor ou o ódio. Estaremos salvos do odioso império do tédio. Brindaremos a sorte de sermos assim: mutáveis e felizes.


NA ESTAÇÃO

Esperou o trem com a certeza de que deveria perdê-lo novamente. Já conhecia aqueles vagões e suas cargas. Os passageiros não eram mais estranhos. Eram personagens ensaiados, exaustos e ansiosos por mais uma encenação.
O apito fez-se ouvir. Por ora, distante, aproximando-se em desafio. O ruído crescente das engrenagens em movimento. A vida correndo sobre os trilhos do destino.
Ela olhou as horas no relógio. Era tarde demais para qualquer arrependimento. Seus olhos julgavam o momento inadequado. Piscou buscando o silêncio no vão escuro dos acontecimentos.
O trem vagarou-se. Estancou hesitante e quase silencioso. Passageiros desceram, apressados, tropeçando nos próprios pensamentos. Cegos ou insignificantes em suas procuras. Cumprimentos multiplicando-se na fumaça da manhã estendida.
A moça sentiu um indecente desejo de ali ficar. Queria estar nua, desprovida de qualquer sentido social ou moral. Queria ter somente o amor como vestimenta, manto sagrado que perdoaria tudo.
Os vagões foram assim esvaziados. A impaciência de toda uma viagem esgotava-se ali inerte em uma estação. Era outono e ainda chovia. Desejava flores ou pelo menos, poder dançar na chuva fresca.
A inconveniência do trato social e os olhares intolerantes a fizeram barrar seus impulsos. Então, ela o viu mais adiante. Perdido em pensamentos difusos. Tocaram-se com apenas um olhar. Prometeram-se toda a sorte de futuros. Estavam ali, onde sempre souberam que seria o ponto de chegada.


ENTRE AS PALAVRAS

Esticou os braços empurrando todos os livros e papéis para longe. O dia não parecia nada propício para o estudo. Olhou para a janela e sentiu inveja do lado de lá.
Tinha tanto por dentro que parecia não ter fim. As palavras virando poemas, pensamentos conspirando com sentimentos, ameaças de abandono tomando corpo. Tudo porque o silêncio a levava a pensar... e pensar nunca a tornou mais feliz.
Saudades dele. Saudades de repente. Das palavras, do papel que podia desempenhar só com ele. Da alegria que brotava do momento seguinte da sua aparição.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O DESCANSO

Pausa. Inclinada sobre seus próprios sonhos, ela desvenda o olhar que a procura. Os músculos estirados, cansados, aviltados pelo excesso de movimento. Hora de parar, de reciclar, de buscar novas possibilidades que não envolvam tantos impulsos.
Começa a dedilhar a melodia que a envolve desde a manhã. Suas digitais marcam outra pele. Criam raízes nas camadas mais profundas, sugando o que ela deseja.
Em braços, jamais cruzados, ela descansa. Talvez não tão justa. Talvez não tão merecedora. No entanto, brilha em seus olhos o entusiasmo.
As palavras não vêm. Ela se cala, pois em nada se encaixa o que lhe sugere a mente.
Repensa na fila, na extensa lista de tarefas realizadas. O tempo foi curto. A vida apressada e sem paciência.
Esparrama os cabelos pelos sentidos que se misturam. Há pouco de tudo e muito de cada.
Deseja. Muito. Mas paralisa ao perceber que não há razão alguma para agitação.
Ri mais de uma vez. O eco do seu riso congela,inerte, repousa no silêncio que logo vem.
Em ondas, seus sentimentos movimentam-se, mas logo buscam abrigo no nada que se instalou.
Suspira. Aguarda que a pausa termine, mas ela não é breve. Repete-se em compassos sucessivos sem culpas.
Então, deita a cabeça no ombro oferecido e aguarda um afago. Ele vem. Ela fica. 

sábado, 10 de novembro de 2012

INSPIRAÇÃO

Espero. Não tenho mais o que fazer. Minutos passando, escalando emoções, depositando sensações. Ocasião perfeita para deixar as palavras fluirem. Mas elas não vêm. Atravessam direto para outra dimensão. Não cabem no papel. Não se expõem na tela.
Antevejo os desenhos transformados em letras. Balanço a árvore das ideias para ver se alguma mais madura me atinge. Tola ambição. Os frutos apodrecem sem que neles eu possa tocar.
Reviro o baú de intenções. São essas minhas falhas mais intensas. Grandes cúmplices de momentos criativos. No entanto, elas também me fogem. Sou uma mulher sem intenções agora. Quase sem pretensões.
Suspiro. O tédio domina meus pensamentos. De onde virão os sonhos? Estes sim constroem as palavras em mim. Doces, ácidas, quase livres, invadindo os corredores da imaginação. Resgato um ou dois, mas eles escapam pelas frestas do despertar. Tenho rastros oníricos por toda minha mente.
Divago. Te olho. Procuro em toda parte. Minhas mãos manchadas de tinta e a alma repleta de apelos. Escolho  o que me parece mais fácil. Teus sentimentos transformam-se em bolhas, translúcidas, frágeis, mas são tão perfeitos que me deixo dominar. Ladra, cansada, aposso-me do que tanto queres que eu veja.
Transpiras. Não ajo. Por encanto, ofertas são mais do que beijos, esses lampejos verbais. Dou nome ao que sentes. Escrevo. Denuncio cada detalhe como se fosse meu.
Ela veio. Forte, inteira, embalada em seda. Descubro camada por camada com cuidado, com quase amor. Dela me cubro. Mergulho, sem susto, nesta tão esperada inspiração.


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

LUZES

Acostumada que estava a se enrodilhar na própria sombra, ela assustou-se com a quantidade de claridade que invadia seu mundo. Em feixes luminosos com poeira suspensa criando desenhos de anjos. Entre suspiros e gemidos, despiu-se de qualquer argumento. Não era hora de vestir véus ou armaduras. Era momento de plenitude, de alcançar o topo da montanha. De se entregar ao derradeiro laço e apertar o nó.
Não havia prazo ou limites. O tempo deixara de passar e somente a respiração marcava o compasso dos sentidos. Redemoinhos de sensações abrindo espaços inimagináveis. Partículas minúsculas arremessadas em alta velocidade, batendo nos cantos, nos sonhos e transformando tudo em beijos.
Deslizando pela pele, ameaças rompiam o silêncio que se entregava à escuridão. Hora de luz, de espanto geral. Que as estrelas despencassem do impossível e abrissem lábios em flor.
Fogo, ar, água e terra. Lama transportada em baldes de prazer. Labaredas que inflamavam desejos e rebatiam na água das expectativas. Pulmões cheios de todas as promessas feitas. Beijos, abraços, o que fosse preciso para que o mundo não acabasse no vazio.
Do caos, fez-se luz. De toda a escuridão, surgiu o dia mais ardente. Que mil faces revelassem o brilho e que a verdade afundasse nos lençóis. Que a felicidade desse instante lavasse as pichações dos muros da vergonha.
Ela sorriu. Mais de uma vez. Todas as vezes que tocada pela luz. De repente, já não era mais uma mulher. Era toda chama acalmando-se em brasa.


terça-feira, 30 de outubro de 2012

RENOVAÇÃO

De repente, o vazio. O silêncio invadindo o quarto. Sem música, sem atenção, sem tensão. O inacreditável momento de parar, afinal. Parecia tão distante, tão pouco provável. Uma pausa no fluxo desenfreado que havia se formado desde então.
Ela fechou os olhos para perceber melhor o nada que se instalava sutilmente nas dobras de seus sonhos. Lágrimas umedeceram seus olhos, mas não caíram. Tudo estava presente naquele instante tão silencioso.
Não era o silêncio dos mortos. Não era o vazio dos que foram deixados de lado. Era o limpo, o espaço ampliado dos móveis arrastados, das teias retiradas uma a uma. Podia até dançar porque a liberdade estava posta e disposta ali. As paredes vazias e, ao mesmo tempo, tão repletas de possibilidades.
A renovação emergia de cantos desconhecidos. Lavava o chão de tantas promessas esquecidas. Aliviava a nostalgia grudada nos veios da madeira do tempo. O pó fugia pelas frestas das janelas ainda fechadas.
E ela abriu: os olhos e as janelas. Permaneceu calada e quase paralisada. Receava atrapalhar o trabalho do tempo. Encostou-se na parede, corpo e alma deslizantes. Sentiu frio e segurança. Medo e ternura.
Todo o espaço para redesenhar sua própria história. Escolher suas novas cores, decorar seus enredos e costurar os tapetes das suas verdades. Metamorfose a completar.  A vida para inaugurar mais uma vez.
 
 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

AS PAZES


Ela não vestia branco. Nem mesmo gostava de pombas. De paz, conhecia muito pouco, pois caminhava sem prestar atenção aos sinais e ateava fogo no que lhe parecia calmo demais. Não era intencional, só instinto. Poderia sim, viver em harmonia, de mãos dadas em uma imensa roda. Mulheres coroadas de flores, homens felizes em gargalhadas. Poderia, se houvesse nisso uma precisão, uma urgência maior do que a própria vida.
Contou os cortes ainda recentes, acariciou a pele marcada. Aquela cicatriz em chamas. Sorriu. E a vontade de dançar foi entrando pelos seus sentidos, atravessando suas razões tão bem defendidas. Afogadas decisões. Ritmo profanado. Desejos libertos. De resto, só a música deslizando pelos cantos, convidando para a entrega de maneira quase definitiva.
Não havia mais guerra em seus olhos. Podia sentir o gosto do ontem, do tempero ácido das brigas, mas mesmo com lâminas tão próximas, nada condenava.
Suas mãos buscaram as dele, suas promessas atingiram seus sonhos e as linhas se cruzaram novamente. Destino ou não. Provação talvez. Fosse o que fosse, era paz agora.

sábado, 20 de outubro de 2012

A EXPERIÊNCIA


O laboratório era frio como todo ambiente estéril. Banca-das de aço e vidros de diversos formatos compunham o cenário central. Substâncias misteriosas aguardando misturas inéditas. Aventais sendo vestidos, óculos acertados em rostos quase inexpressivos. Cientificamente elaborado, o painel das sensações trazia sim, hora ou outra, um desconforto aos olhares racionais.
Era ali que pretendia dissecar aquele sentimento que insistia em dominar toda a matéria. Colocaria tudo em uma bandeja esterilizada e com um bisturi cortaria, impiedosa, cada tecido. Tencionava eliminar do próprio peito as raízes daquilo que já não se fazia importante. Ou talvez fosse mais,  algo quase essencial evoluindo feito uma infecção. Teria de raspar, triturar, esfregar células sobre a lâmina e então observar seu esplendor. O microscópio faria o resto. Denunciaria as partículas do cosmos que, para ela, pareciam pertencer ao macro altar .
Tinha as mãos trêmulas como inexperiente analista de emoções tão intensas. Temia deixar escapar algum traço recessivo, só percebendo os dominantes sinais da sua paixão.
Luvas poupavam suas mãos do contato excessivo. Podia perceber as diversas substâncias sendo misturadas, levemente sacudidas em suas veias. Haveria risco de combustão? Certamente que sim, mas não era dela somente o risco. Esperou os minutos estipulados como padrão de reação. Nada. Ou tudo?

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

HERANÇA MATERNA

Encontrei um fio e não da meada mais macia. Quase um arame farpado, garantia certa de cortes e feridas. Enlacei, não cortei, declinei da ajuda alheia. Mãos agredidas, alma amarrotada, lembranças espalhadas. E de todo esse novelo pesado, denso, suspenso e suspeito, fiz minha a armadura que se impôs tão necessária. Ela revela-se sutil quando sorriso, nem mais nem menos perigoso do que qualquer armadilha. Ou se mantém fria como metal, protetor, repelente de qualquer emoção mais forte.
 
As farpas, agulhas, facas, espadas, lanças, todas chegam. Não há como evitá-las. Algumas penetram com precisão cirúrgica, outras se deixam desviar pelo meu olhar ou pela secura de medos.
 
Quando me apresentaram as flores, também me espetaram com os espinhos. Sangrei algumas vezes com intensidade de lava escaldante. Outras tantas foram apenas cicatrizes leves que se camuflaram na pele sem alarde. Ainda sinto a suavidade das pétalas, da lembrança contínua dos cuidados de jardineira. Rastro, ou melhor, rastros do que já teria sido e nem queria mais ser. Explosão repentina. Desapareceu como golpe de machado. Não um golpe de misericórdia, posto que nenhum caminho fácil se abriu.
 
Oposição de astros ou estrelas decadentes. Suma sacerdotisa das noites internas e dias ensolarados do amor. Há em mim essa densidade herdada, a teatralidade de fundo de palco, a desarmonia espantosa de emoções. Há cores mais profundas, a pele clara que se rasga sem temor, a pressão que se eleva, a felicidade na maternidade. Também a inconstância, a imprudência do agir, a expressão arrebatada de quem carregou correntes desnecessárias. O intenso chocar das ondas nas rochas. O impiedoso silêncio de quem sofre e não aceita repartir.
 
Diferenças marcantes me salvam. Colocam-me além do gosto de sangue que sinto. Levam-me a sorrir com ternura e agradecer. Sou tão plena e assumidamente desnorteada que permaneço feliz mesmo no caos. Tormentas não me assustam. Navegadora de poucos mares, mas  conhecedora do profundo oceano. Todo amor.


sábado, 13 de outubro de 2012

RIO ABAIXO

Ela poderia ter ido além. Sabia disso. Sempre soube. Poderia ter seguido aquele caminho feito cega, obediente a um destino incerto e claudicante. Seria feliz? Dificilmente. Mas também não estava feliz agora. Surda aos apelos do seu coração, preferiu orientar-se pelo bom senso. Camadas e camadas de raciocínio e lógica. Ah, a intuição também lhe alertava dos perigos. Suas células refletiam alarmes com intervalos de segundos. Era o certo, era o melhor, era o seguro. No entanto, ela ainda olhava o lado de lá com uma certa saudade amanhecida.
Seus olhos acostumaram-se com o vazio da possibilidade. Não era como uma missão adiada. Era o aborto de planos tão caprichosamente desenhados. Sentia falta do olhar que perdera. Da vontade antecipada que seguia cada gesto. Ela não podia ter medo porque já era tudo tão seu. Como que misturado e condensado a seu sangue. Metamorfose de sentimentos que a tornava ora lagarta, ora borboleta.
Ela preferia ainda pensar que assim tinha de ser. Saudades arrancadas de um momento ou outro. Asas em queda contínua. Agarrada às rochas, com unhas fincadas aos fios da tênue rede que lhe protegia a alma. Não havia beleza nessa renúncia. Um gole de serenidade, talvez. Nada empolgante, mas um certo frescor. Então, ela mergulhou seu corpo e suas expectativas frustradas nesse rio. E deixou que o desejo se esvaisse corrente abaixo como inútil resquício de uma história fadada ao esquecimento. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

DANÇANDO NO SILÊNCIO


Os pés nus tocando o chão frio. Desenhando pequenos círculos para provar a intimidade telúrica. Passos em volta de mim mesma, como se perdida estivesse, como se nada mais houvesse. Sem música, um silêncio de apogeu reinante. Braços subindo em busca de espaço e luz. Mãos que se abrem e fecham. Brincam de pegar o que ainda não vi.
Sorrisos se abrem. Portas fechadas escancaram possibilidades. Luzes começam a piscar e voltas se tornam laços, sem nós, sem você. O ritmo quase me corrói por dentro. Tenho tantas promessas escorregando pelos meus olhos! E ainda assim, danço. Quase canto. Por um momento, estremeço e cumpro todas as ameaças que fiz.
As pausas alongam-se em meus músculos. Obedientes, eles perfazem o caminho e remontam a coreografia idealizada. Já fui mais sua. Já fui até mais minha. Os compassos se despedaçam, corrompidos por esse silêncio que não passa. Por todas as músicas que teimam em recomeçar em minha mente, encontro seus acordes ainda mornos, aconchegantes devaneios.
Sou assim, a mesma dançarina. Despida de muitos sentimentos que impedem minha harmonia. Descolo de mim as marcas que se infiltram em minha pele como hematomas tardios. É cedo demais para conduzir a dança à última nota. Preciso de mais força para seguir a melodia sem esbarrar nas claves mais perigosas.
A dança prossegue, lenta, tocante, mágica instantânea. Meus pés arriscam pelo incerto, calçando novas cores com a alegria de quem perdoa o próprio destino.


terça-feira, 9 de outubro de 2012

DESENHANDO SUSPEITAS

Aprovo toda  a tua ira. Das tuas maiores virtudes, enalteço mais esta. És ainda mais belo do que quando te cobicei. Não de uma beleza tácita, mas o enternecer de um crepúsculo em chamas. Hei de saber recompensar a miséria de tantas palavras quase malditas.
Não me poupe do teu pesar. Tenho muito mais o que mostrar. Levanto suspeitas, desenho planos, arquiteto desejos. Não há como me negar isso. Sou muito mais cúmplice do que detratora. Muito mais tua primavera do que inverno hesitante.
Desejo me deixar deslizar devagar pela tua vida. Que seja pouco, louco como intensa erupção de vulcão despertado. A lava cobrirá nossas expectativas. Já sobe o calor, o vapor produzido pela impaciência do momento. Não mais minha, nem tua, mas do momento em si.
Já reproduzimos tantos passos que ninguém mais consegue nos seguir. Perderam nossa pista. Deixaram de nos levar em conta. Por que agora eu faria de conta? É real, tatuagem profunda que completa minha pele.


domingo, 7 de outubro de 2012

ELA

Chega de repente. Ventania como sempre. Uma presença quase sutil a princípio. Camuflada em força da natureza, invadindo espaço e tempo. 
Em um só olhar reconhece  todo o território como seu. Não, não é modesta e não recebe ordens de ninguém. Tem os seus princípios básicos e outros tantos atirados à fogueira. Sem pensar duas vezes, embaralha teus sentidos.
Se ela pedir para dançar, já estará dançando. Se pedir para provar, já terá derramado todo o vinho. Se repetir as palavras será  somente porque já se cansou do mesmo caminho.
Não tente compreendê-la e muito menos segurá-la. Ela já não estará em teus braços. Terá partido antes mesmo do primeiro laço. Não sem antes arranhar teus planos e desejos. Não faz por mal. Também não faz por bem.
Quando espalha os cabelos no ar é quase por vingança. Para que não enxergues nada além dela. Para que não haja dúvida do seu domínio. Mesmo que seja tudo dúvida e avesso. Mesmo que ela nada saiba dos teus passos.
Ela ousa fingir te seguir. Mas todos sabem que ela nunca estará na sombra. Buscará artifícios para te tornar leal. Roubará  tuas forças quando menos esperas. Sem arrancar um único suspiro, entre os dentes, cortará tua esperança. E enfeitará tudo com flores. Vermelhas, claro.


sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O OLHAR


Momento entre as palavras e o riso. O seu olhar espalhando brasas sobre a neve macia. Suave contraste de cores e temperaturas.
Experimento sabores na ponta dos segundos que despencam distraídos sobre o meu colo. O tempo querendo parar preguiçoso no vão do seu palpitar. Aconchegado e manso, deslizante sentimento como um manto. Nada sagrado, nada profano, apenas seus olhos cobrindo meu corpo.
Tenho alguns segredos fugindo em sua direção. Suspiro ainda mais próxima de você. Porque de nada me adianta a surpresa de querer mais. Mãos que se encostam, temerosas do toque seguinte. Invasoras, delatoras do desejo, cúmplices no perigo emergente.
Suspeitos olham para o mesmo ponto como se atraídos por uma força qualquer. Enroscam palavras entre leves gemidos. Alguma tensão engasga na garganta. Cortantes nãos que se estendem pelo inadequado da hora e do local. Promessas antecipadas que completam vazios que nem se sabia existir ali.
Como corais, abrigam tesouros mergulhados no que ainda será. Olhos que por vezes se desencontram na ansiedade do que virá. Então, vejo você com todas as suas histórias reveladas, refletidas em íris e luz. Mágico caledoscópio.
Deixo de prestar atenção no universo. Concentro-me em não perder, em não deixar ir o instante que se desdobra lentamente. Tudo novo e ao mesmo tempo antigo como se os séculos compartilhassem dos mesmos desejos. Já houve uma outra vez. Já se fez caos e apogeu. Agora é imensidão do mar sem calma.
Sim, ainda posso ir embora. Fechar meus olhos, atravessar a indiferença como lança. Desistir do ficar. Deixar de ser sua. Mas não quero. Já estou mergulhada,  lançada às mesmas águas do seu olhar. Sem naufragar. 

sábado, 29 de setembro de 2012

QUERIA


Queria. Ah, queria muito te ver hoje. Passar ao teu lado fingindo distração. Disparar o olhar tantas vezes ensaiado, de lado, de canto, de imediato. Encontrar teus olhos por um breve instante. Te encabular  por segundos e receber teu cumprimento de cabeça. Melhor ainda perceber que teus lábios também se movem. Em minha direção.
Hoje não. Hoje não é dia de tua aparição. Dobrando a esquina, surgindo do nada. O estranho,  o desconhecido, já tão familiar a mim. Fantasio, escolho cores, roupas, adornos para te agradar. Quero parecer a primavera e brilhar como um sol. Mas me contenho, escolho raios mais sutis, disfarço minha agitação. Faço-me discreta o quanto posso. Mas posso pouco. Olha, como minha esperança brilha. Sim, quero que me note. Que me veja de longe. Que me sinta presente no teu espaço e tempo.
Tenho dúvidas, muitas dúvidas. Perguntas me impulsionam ao teu encontro. Quero saber tudo, todos os teus detalhes e decorá-los de vez.  Descobrir o que converge e o que nos afasta. Dar o primeiro toque, esquentar as mãos para não revelar a frieza do medo. Estipular prazos para que se diga a primeira palavra. Aceitar o teu silêncio como prova de respeito.
Queria te dar presentes. Os mais inesquecíveis, os mais improváveis, os que não se compram por nada. Queria te dar meu olhar mais doce, mais instigante, mais delator. Invadir tua mente, caminhar pelos teus pensamentos e atear fogo nas tuas intenções. Daria tudo por um pouco mais do teu reflexo na minha vida.
Queria que já fosse mais. Que te revelasse inteiro. Que não houvesse talvez ou nunca. Deslizaria nos teus braços e assumiria daí o enredo. Contaria tudo. Te diria coisas indecentes de minha autoria.
Queria, mas não posso. Queria pra ontem. Mas ontem não te vi. Esperarei por um dia ou dois. Tocarei os dias como pausas inoportunas, detalhes a serem superados, só para alcançar a paz do teu sorriso.
Queria não ter mais esse sonho. Não esperar demais de um acontecimento que não virará mar. Suspeito que pareço apaixonada, louca, desnorteada por uma história ainda não escrita. Riem de mim , mas eu sou toda assim cheia de possibilidades. As mais loucas, improváveis e lindas expectativas de te querer ainda mais. Sim, queria que fosse pra sempre o teu querer.


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

À SEXTA O QUE É DE SEXTA

Não sei como te dizer isso, mas lá vai. Temos de conversar. É, não dá mais para adiar. Fim de semana chegando, a agenda repleta daqueles eventos que não pude cancelar e a geladeira vazia pra completar. Dá pra encarar? Não, não dá. Então, melhor acertarmos logo isso  antes que comece a chover. Porque vou sair. Está escutando os acordes? Então, são os primeiros compassos da trilha sonora do resto da minha vida. Sejamos breves.
Não estou contando contigo. É isso, simples assim. Na minha conta, não há mais adição de teu sal. Nem açúcar. Mas também nunca foste doce nesta história. O que importa? Desde que retire tuas lembranças do meu enredo e pare de assinalar vitórias onde só há sombras. Bastou pra mim. Já estou atrasada. Perdi tantas caronas do destino, tantos galopes do acaso. Não tenho tempo para rever tuas opções. Elas simplesmente não existem mais.
Claro que entendo que foi tudo muito de repente. Nem começamos e já acabamos. Gosto de narrativas curtas, densas e que acabam antes do tédio se instalar entre as linhas. Não merecia isso? Talvez, eu tenha mesmo exagerado no desfecho das suas expectativas. O que fazer? A heroína sempre deve sobreviver e brilhar no epílogo. Antes teu fim do que o meu.
Não, não sinto muito. Eu sinto pouco. Pouquíssimo no momento. Culpa tua. Sorte nossa. Ah, deixemos de bobagem. Um abraço e fim. Já te roubei também. Minhas nuvens não vão te seguir. Ficamos por aqui. Quer dizer, eu não. Estou indo acompanhar beijos.


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

PARTIR


Esfregou as mãos até sentir ardor. Palmas avermelhadas, pensamentos atordoados. Levantou-se e esperou que o ritmo do seu coração se acelerasse de vez. Talvez desmaiasse. Talvez tudo se calasse.

Taquicardia instalada, leve tontura tomando conta dos seus sentidos, resolveu enfrentá-lo. Partiria. Porque tinha de ser assim. Já era assim.

Deu alguns passos em direção à porta, decidida a deixá-lo de vez. Sentiu o calor se espalhando pela cabeça, descendo pela nuca, alcançando as costas e se instalando de maneira indecente no seu baixo ventre. Era toda agora desejo de ficar. Agarrou-se ao batente da porta com esperanças de náufraga. Forte o bastante para lidar com as várias intenções que se digladiavam dentro de si, olhou para trás.

Sim, olhou para ele mais uma vez. Sombras projetavam-se e enegreciam seus olhos. Podia seguir esse homem para sempre. No entanto, seguiria sem ele agora.  Não tinha medo do futuro, muito menos do passado. O momento já era demais para se duelar.

Sentiu desejo por lâminas, adagas afiadas, punhais fatais. Estendeu as mãos para que o instinto se fosse e a razão a dominasse. Era mesmo tempo de partir. Juntou suas forças, ajeitou a flor nos cabelos e os soltou. Desejou se tornar invisível aos olhos dele. Murmurou algo. Talvez uma promessa. Talvez uma praga. Talvez um nunca mais.  

Nada mais importava porque o tempo já havia decidido. Era curto, era mudo e não sabia esperar. Nenhum minuto a mais. Nada de glória ou remorso. Era a hora.

E ela, então, se foi. Linda, descabelada, imponente em sua decisão maior: deixá-lo.

A ENERGIA

Perdi o sono. Os sonhos não vieram. O silêncio arrastou as palavras pelos corredores da imaginação. Correntes pesadas de matéria invisível  deslizando sobre o chão da minha mente. Pensamentos rasteiros, serpentes escorregadias. Camuflados sentimentos perdidos pela noite.
Sim, eu podia senti-lo. Podia tocá-lo face a face, palavra por palavra, saborear sua surpresa e jogá-la ao fogo. Sugar seu momento, atravessar seu desejo, despertar sua ira. Podia quase tudo desde que me entregasse, que me deixasse devorar pela tempestade. Mas ela e eu somos irmãs. Competitivas, lutamos pela maior intensidade. Amamos, destruímos sonhos, caímos em tentação e atiramos mais vento e água naqueles que só querem evitar o perigo. A areia nos cega, pesa em nossos sentidos e arranha nosso raciocínio.
Eu sabia que perderia o sono. Que talvez perdesse noites. Mas as estrelas permaneceriam ali, aguardando minha hora de sonhar. Tive certeza disso no momento em que pisei a linha final. Na beira do abismo, estremeci. Cavalos surgiram do nada. Os mesmos do apocalipse. Só podiam ser os mesmos.  A mesma energia do caos, da eterna danação. Era já o fim. Ou o começo do nada.
 


APÓS O ASSALTO - by M.F.N.S. (Participação especial)


Fechar a porta, apagar as luzes
não esquecer de recolher o lixo
este sim pesado demais pra não se prestar atenção no que tem dentro - toda luz
e todos os sonhos ali jogados

Displicentemente, como que jogados sem terem sido vistos ao cair gritando à espera de quem sabe?... serem recolhidos de lá
mas sabem que não serão
a luz já bem fraca na lembrança
ainda teimosa, fica, ali, alimentando os pobres sonhos que choram saudosos
nessa sala, de onde foram embora a vida e a emoção
recolher os cacos do vidro, do que foi quebrado na hora da raiva, só traz mais silêncio
a dona do lugar, a esperança, conversando com os sonhos ali jogados, fica o tempo todo alimentando aquelas ventanias, aqueles temporais que hoje não aparecem mais
lembram de quando a cerca branca rodeava a casa
o balanço vibrava nos empurrões firmes, enquanto a criança ria feliz, almejando só aquele momento
onde dançar e rir alto era o que tinha
silenciar?

Só ao som de uma música, num abraço terno
de olhos fechados, suspirando
nem sequer imaginava um futuro tão solitário
e a mesma esperança que hoje agoniza ali, tentando mantê-los todos junto dela
percebe que está mesmo na hora de fazer um balanço
fechar as portas
contabilizar as perdas
pois os ganhos foram todos levados de assalto
por uma gangue no crime perfeito
deixando somente aquele rastro de loucura
tudo revirado
tudo sem chão
sem saber por onde recomeçar, ela decide cabisbaixa
sair, olhando tudo o que havia construído, olhando pela ultima vez aquele que foi seu tão desejado lugar
feito com tanto carinho e paixão
agora fechando as portas, com tudo revirado lá dentro
e diz sem olhar pra trás: "penso nisso amanhã!"

 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

SEJA FELIZ - by my friend MFNS


Seja feliz, te desejo...

para que eu possa te desejar ainda mais

seja bravo

para manter-se nos caminhos de teus objetivos

seja corajoso

para saber qual caminho escolher

seja paciente

para galgar cada degrau e poder desfrutar as conquistas

seja garboso

para sorrir largo a cada pessoa que encontrar

seja honesto

e faça-me orgulhosa da pessoa que és

seja prudente

ao tratar com as outras pessoas

seja otimista

para que vejas um mundo mais colorido

seja humano

para jamais endurecer tuas atitudes

seja carinhoso

para receber abraços sinceros e beijos amáveis

seja justo

para que jamais tenha que sofrer com tuas escolhas

seja interessado

para manter as pessoas de bom coração ao teu lado

seja amoroso

para aquela que for a tua escolhida,

e se permita junto a ela felicidades, que ela te faça dançar pelas ruas, rir alto, compartilhar histórias, ser quem és...amar

para que assim eu possa...

desejar de verdade que seja feliz, e saber que o és...para que eu possa seguir meu caminho, sabendo que estive, nem que seja por um momento,fazendo parte deste teu caminho de encontro à felicidade.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

DEVORAR

Desejo de condenada. Agora e quase pra ontem. Estímulo fumegante entrando pelas narinas mal preparadas. O frio lapidando o paladar corrompido pelos meses de jejum. Ah, aceito todos os teus carboidratos. Pago todo o preço desse delírio momentâneo. Conto em voz baixa as calorias inesperadas. Porque devoro. Eu te devoro com a loucura dos meus dias perdidos.
Corto em fatias que, mesmo assim, se grudam no calor do momento. Desisto de separar o que se faz inteiro. Arranco os pedaços daquilo que já devia ser meu, satisfeito entre os dentes, digerido em poucas palavras.
Amasso entre os dedos a pasta dos teus sentimentos e provo teu sal. Assim, quase em silêncio. Sem esperar me dar licença. Deixando invadir meus sentidos, tontear minha razão ainda à espreita, cautelosa com a gula desenfreada.
Sinto o calor que se mistura ao ambiente. Tenho vontade de abrir janelas, de expulsar o interesse que despertas em mim. Mas amoleço, quase derreto com o vapor que surge a cada respirar. Aproximo-me do perigo, do fogo, das chamas que alcançam o teto. Invisíveis faíscas percorrem o chão, secando o resto de água, de lágrimas derramadas pelos cantos.
Queimo as mãos sem por a mão no fogo por ti. Minha alma se antecipou no primeiro impulso. Então, sopro teus pedaços para que meus lábios não sofram demais. Beijos intercalam-se entre as mordidas. Suaves expectativas se dissolvem entre a língua e o céu. E todos os sabores mesclados, triturados e absorvidos por todas as células.
Embriagada, deslizo pelas horas seguintes sem certeza alguma. Perco os sentidos lentamente, todos os cinco, um a um. Mas nada é em vão, pois tudo recomeça a partir do agora. A brasa que alimenta a  fogueira já adormecida, os cheiros que penetram pelas frestas e as promessas de sabores recriados em nós.


sábado, 15 de setembro de 2012

GUARDANDO SEGREDO

Então, João sabia de tudo. Bem, deveria saber, pois possuía aquele olhar de quem detém um poder qualquer. Podia ser mais uma impressão do que a certeza de uma revelação. E ela tentara camuflar toda  a verdade em horas dúbias e palavras recolocadas nas pausas apropriadas. Quem dera pudesse ler a mente daquele homem que a olhava com tanta intenção. Quando ele pediu mais um café, ela tentou relaxar. Desviou o olhar para o movimento da rua . Tudo parecia tão vivo e pulsante. Não se importava com o perigo dos carros, das pessoas se atropelando e o ruído irritante de falas sem fadas.
Poderia contar tudo para ele. Sim, diria tudo de uma vez só. Palavra por palavra, sem tomar fôlego entre elas. Confessaria o que mais oculto encontrasse em sua mente. Talvez só pelo prazer de ver o espanto se espalhar naqueles olhos descrentes.
Enquanto as mensagens deslizassem entre os olhares, estaria tudo seguro. Ostra de sentimentos difusos. Ah, se todos soubessem que o seu desejo ia mais longe. Atravessava a rua, se postava diante de um estranho sem orientação alguma. Aquele era o seu mistério mais sagrado, seu sonho embrulhado em folhas de seda e laços de cetim. Cuidava dele com requintes de artista. Queria tanto que tudo se transformasse em um beijo, ou em ondas que a levassem para aqueles braços. Sentia que o momento se expandia quando ele apenas ameaçava sorrir.
Tomou um gole de café. Quase frio, quase doce. João ainda a olhava, com atenção de investigador. Se sua mente fosse a cena do crime, ele teria desvendado tudo ali mesmo. Sorte dela, que ele apenas a desejava. Não mais do que isso. E sendo assim, podia dizer sem susto, que seu segredo estava a salvo. Por enquanto.


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A CILADA

Era tudo aquilo e mais um pouco. Passos dados em direção ao nada que se somavam a tantos outros perdidos pelo caminho. No entanto, agora havia firmeza na marcha camicase. Determinação dos que seguem cegos pelo objetivo  há muito definido.
Ela sorria porque, de fato, estava feliz. Iluminada por uma força que lhe envolvia os membros como corrente elétrica. Não era algo simples, pois nada nela era assim. Era a tormenta de todas as expectativas atiradas contra a parede da realidade.
Era o momento do abandono que surgia com a possibilidade de amar mais do que sonhar. Não que isso fosse fácil ou bom na sua totalidade, mas quase inevitável. Não era um amor dirigido ao homem que ali estava, mas a si mesma e isso tornava tudo mais dúbio, profundo e obscuro. Era a pessoa mais difícil de confrontar porque conhecia seus relevos emocionais e deles nem sempre podia escapar. Por isso estava lá, diante de todas as provas de uma interminável aventura sugada pela terra do esquecimento. Sorria, porque a felicidade de se deixar perder o sonho de uma vez é silenciosa e plena.
E os passos tornaram-se mais lentos a medida em que se aproximava do momento. Podia enxergar a armadilha feita pelos seus próprios planos. Estavam todos lá misturados a desejos brotados sem rega ou ternura. Tudo embolado, embotado em pequenas poças de dúvida. Ela ousou titubear e refletir por segundos. E se não fosse a hora? E se tudo tivesse enfim uma finalidade?
Recuou mais lentamente ainda do que o tempo. Suspirou um desejo qualquer e esperou que tudo se desfizesse. Mas a cilada ali estava no cruzamento de seus pensamentos e sentimentos. Quase perfeita na sua arquitetura fatal.
Ela, então, deixou escapar seus últimos anseios e deu as costas para o final que ainda não lhe pertencia. Foi assim, catando pelo caminho de volta os fragmentos do sonho. Não podia renunciar a ele . Ainda não.


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O IMPROVÁVEL

Ela despertou de repente. Não de um sonho. Não de um pesadelo.  Mas da desesperança que se instalava entre seus planos. Era tudo tão nítido agora. Tudo tão perfeitamente ajustado e simetricamente recolocado. Estava ali na sua frente como uma paisagem recém pintada, com  as cores fortes respingando em seus olhos.
Não havia razão alguma ali. Só a necessidade de mergulhar, mesmo que isso lhe roubasse todo o ar. Disposta a tudo para não perder aquele momento. Por um sorriso, por aquela risada que invadia sua mente. Mas era só isso, nada mais.
Não é que não fosse bom. Era e muito. Era intenso na medida certa, terno nos momentos exatos. Mas não era pleno, não era dela, não era ela. Uma história boa é apenas uma história boa e não preenche as lacunas do querer. Diverte, acalma, sossega as labaredas. Ela sentia isso, a calma, o quase tédio do não haver mais nada ali.
O que seria simples e adequado tornou-se um mapa de interrogações. Nada ali revelava as lendas que tanto desejava viver. Fogo voraz e logo extinto. Olhar de quem nada percebe além do óbvio. Desejo no lugar do improvável sentimento. Ah, mas ela queria muito mais. Exigia da vida uma reparação qualquer. Uma prova da infinita corrente de elos impossíveis.
Não era justo. Não era sequer sensato. No entanto, ela só sabia ser assim. Intensa constelação de dúvidas e desejos. Sem nada alcançar no estático mundo das possibilidades. Não queria  o possível. Queria pintar sua vida com as tintas erradas, do jeito mais impreciso, mas revelar arte.
Não queria estar certa. Nem ter sempre a razão. Apenas ser assim como era, debaixo de todas as camadas, uma mulher de sorte duvidosa. Uma personagem do infindável improvável.


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

TODO O QUERER

Foi meio por acaso, ela agora percebia. Não tencionara dar um passo além, mas o perigo parecia hipnotizá-la. O eco surgia em ondas que a lançavam para o abismo. E ela nem mais sabia se queria fugir dele. Era tudo tão rápido e intenso, como um festival de luzes que a desafiava para mais um duelo.
Podia sentir a música dominar seus sentidos. Tinha certeza de que ele a tornaria surda para qualquer conselho sensato. Não era mesmo hora de ouvir o bom senso. O nada lhe caia muito melhor agora e a melodia coroava o instante.
Podiam  ficar ali pra sempre na antecipação do que seria o inevitável encontro. Trocaram segredos, abriram portas, atravessaram pontes. Houve dúvidas e silêncio. Alguns passos dados para trás  à  espera do melhor momento. Este nunca chegaria para abençoá-los com um final feliz.
Ela sabia que poderia desistir. Que deveria virar as costas e deixar que tudo desmoronasse. Seria rápido,  mas nada indolor.
Não era o certo. Não era o melhor. Mas era tudo o que queria. De uma imensa glória que lhe atingia ao meio. Suportaria os raios e trovões se ali pudesse ficar. Rezaria sempre por mais uma oportunidade junto àquele que lhe tingia os olhos de alegria.
Não sabia se era amor. Provavelmente não. Talvez paixão pelos acontecimentos que se acumulavam à porta da inconstância. Era tudo aquilo e mais um pouco. Escorria pelos cantos e beijos que se multiplicavam vorazes.
Não era errado. Não era pecado. Tinha cores muito próprias e sons muito sutis.Tinha de ser verdade. Devia ser selado como voto, como pacto secreto e promessa não dita. Eles estavam lá. E tudo mais deixava de existir. Era dor, era calor, era ainda mais simples. Era apenas o que tinham. Todo o querer do mundo.