terça-feira, 31 de janeiro de 2012

NA POEIRA DO SONHO



Minha alma segue essa trilha desconhecida, cheia de acontecimentos estranhos e  andarilhos perdidos. Ela assim se abastece de imagens trazidas de outras instâncias visitadas, sem pressa, sem grandes arrependimentos.

Não sabe retroceder daqui. Não conhece o caminho de volta. Esqueceu de jogar pedras pelo caminho ou então jogou migalhas de pão e as águias comeram tudo. Nada de passarinhos delicados, foram águias mesmo. Porque esse caminho não é para fracos, foi aberto pelos valentes de corpo e alma.

Escutou a voz, sentiu as lágrimas, o cheiro do desespero. Como quase um acalanto, percebeu alguém muito longe e ao mesmo tempo perto demais. Destruindo qualquer ilusão, qualquer regra de compatibilidade. Não foram feitos um para outro, mas se deixaram pertencer.

Não sabia se existia de fato, de corpo ou se era só feito de luz. Mas lhe acompanhava, às vezes distante, às vezes tão presente quanto o próprio sangue. Sentia a densidade de um chamado, a velocidade das ideias que envolvem como uma sondagem preliminar.  Gritava: Eu estou aqui, já estive lá, mas agora estou aqui. Me olha!

Já se desapontaram tanto por não chegar a lugar nenhum. Escalaram algumas montanhas inúteis. Perderam tempo no esquecimento, estendendo as mãos para outras nem tão confiáveis assim. Atiraram flores em túmulos que nem pedras mereciam. Incendiaram o que não era deles por medo de não haver mais calor disponível.

Em silêncio, ficaram imaginando estrelas porque só assim podiam acreditar no que nem fora escrito ainda. Entrelaçaram pensamentos, beijaram bocas invisíveis, lamentaram perdas que nem aconteceram de verdade.

Quando se olham no espelho, vêem além do reflexo, enxergam toda a esperança de um futuro estelar. Se poeira forem, serão siderais. Serão como eternos cometas espalhando sonhos na aventura que se perpetua a cada novo fôlego.
Vou torcer para tudo existir. Minha alma merece. Se não acontecer, terei vivido iluminada pela poeira de uma galáxia que se desfez há anos luz.  


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

FANTASIAS RASGADAS

Ela sempre teve o dom de enfeitar a realidade com cores suaves e espalhar luz e magia pelos cantos. Adormecia com aquela fisionomia misteriosa, um misto de anjo e diva. Por onde andava, iam com ela as camadas de tule, de renda, de pequenas pérolas, tudo espalhado pelo caminho que pretendia ter como seu. Tudo parecia natural mesmo que fosse fantasia, mil voltas de tecido lúdico que lhe caiam como um véu.
Sorria como se nunca tivesse perdido. Nem rendas, nem brilhos, nem pedras. Tudo se sustentava naquele sorriso que se entreabria entre esperanças e promessas. O espelho refletia seus mil talentos multiplicados pelos dias de sua existência. Ela conduzia a vida com a maestria de uma grande imperatriz que renunciava à coroa para poder brincar de encantamento.
Suspiros eram mais frequentes do que palavras. Suas mãos guardavam flores e estrelas que ela soprava ao vento como oferendas ao deus da felicidade. Sim, ela acreditava nos dias felizes, nas noites de amor, nas promessas de finais inesquecíveis.
Por um triz, não escorregava na loucura. Por ser assim, duvidava da insensatez dos dias corridos. Absorvia o mundo como se dele só pudesse tirar a alegria. As flores delicadas enfeitando os cabelos a tornavam uma fada de contos infantis. Os olhos abriam-se e brilhavam de tantos modos que seria impossível contar.
Eu diria que ela foi assim: pra sempre feliz, mas não foi. Eu mentiria para atrair a simpatia de todos, mas seria maldade. Ela foi o que pôde ser, alcançou o que necessitava e arremessou alguns sonhos para um futuro longínquo. Arrastou o véu, os babados, as rendas pelo chão que nem sempre era feito de estrelas. E muitas vezes, precisou correr ou ajoelhar implorando por paz. E numa noite que ela jura ter esquecido, chegou a rasgar as fantasias com os dentes. Duvidou dos seus dons, estragou seus arranjos celestes, desdenhou da própria beleza. Porque a vida nem sempre é festa, nem sempre é linda, nem sempre nos convida para uma dança.
Eu não vou dizer que ela foi infeliz, porque não foi. No meio de tanta luz e alegria, soube dançar e seguir em frente, remendando as fantasias com a linha da desilusão. Preencheu os buracos feitos pelo cotidiano com pequenos mimos brilhantes e flores encontradas numa cesta chamada fé. A realidade nunca pôde mesmo com ela.




domingo, 22 de janeiro de 2012

DIA DE RECICLAGEM

No meu bairro, o dia de coleta do lixo reciclável é quinta-feira. Eu adoro quintas-feiras, são especiais. Além de eu ter nascido neste dia da semana, ele me parece um prenúncio de algo bom para acontecer. Depois, meus programas de TV favoritos passam nesse dia. Enfim, quinta é quinta e nunca de quinta.
Então, já que é pra reciclar, eu faço direito. Lavo, limpo, desmonto, separo e embalo. Não tenho lugar para acumular os recicláveis, então o tanque serve de depósito provisório. Dá trabalho, atrapalha minha vista dos vasinhos na área de serviço, compromete meu pouco espaço doméstico, mas me dá  a satisfação do dever cumprido.
Ao separar o lixo orgânico do reciclável, separo também minhas ideias. Não é uma triagem simples pois engloba muitos sentimentos conflitantes. Há coisas que são fáceis de se destinar ao lixo, lixo eterno, descartado, deletado e, com sorte, esquecido. Há outras que emperram na boca da lata, não cabem no cano do anonimato, não desparecem nem por mágica. O que fazer com elas então? Deixo algum dejeto sentimental pelos cantos da minha mente, jogo sobre ele uma manta de tolerância para ver se camuflo sua feiura.
Com a reciclagem material e mental, me aproximo mais do ideal. Não de qualquer ideal, mas do meu ideal. Higiene física e mental, paz assegurada por alguns momentos. Não salvo o mundo, nem o meu mundo, mas faço a minha parte. Faça a sua!

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

E 2012 DESPERTA!


Começando mais um ano ou deixando ele começar em mim. Todos os dias abrindo caminhos desconhecidos e acenando despedidas mas sem lágrimas. Nem tudo é fácil ou fluido, nem tudo é doce ou suave, mas faz parte do meu show, como já dizia Cazuza. 
Apresento-me ao mundo como vim e com todos os adereços que a vida me deu. Fui cultivando pérolas, diamantes, elefantes também. Como uma curva de rio, juntei meu entulho que parecia tão essencial. Estava acostumada a ele, à segurança de resíduos conhecidos, de substâncias já experimentadas. Não era bom, mas era meu. Era? A barragem parecia conter a intensidade das águas emocionais e produzia uma miragem de garantia vital. Aprendi que isso não existe e que não devemos tentar conter o rio da vida. Ele segue, contorna os obstáculos materiais e vez por outra acaba em cachoeira. É aí que estou: na queda d'água, na força da natureza, no inevitável deslizar das possibilidades. Tudo é mudança e a roda gira, elegante às vezes, rude em outras épocas, mas sempre gira. E se a cabeça rodopia e o corpo enjoa, tudo passa e a gente cresce. Porque nada anoitece sem precisão.
Olhando para o alto, na escuridão de mais uma noite, sempre há estrelas, mesmo que não estejam tão brilhantes agora, elas estão lá. No microcosmo que mergulha em meu coração, há o reflexo do macro que se anuncia poderoso no Universo. Portanto, 2012, prepare-se, porque lá vou eu!