segunda-feira, 24 de junho de 2013

SEM DESCONTO


Ela agora sabia. Não poderia aceitar menos. Nem uma parcela dela seria subtraída. Não esperaria mais extensões do outono, nem se acomodaria na hibernação que lhe propunham. Havia mais ali cobrando sua presença. 
Conversariam sobre isso nas noites seguintes. Aquecidos por lembranças, acalentados por esperanças. Brindariam aos sonhos e terminariam embriagados pelo luar. Insones, desmaiariam no leito das expectativas esticadas como lençóis macios. 
Nunca mais do mesmo. Na fogueira, atirados os últimos pedidos de redução. Ardia em desespero, o que nunca foi suficiente e nunca será. Palavras mal empregadas, desejos pouco provados, sentimentos depostos sem chance. Tudo em chamas, transformado em cinzas. Quentes, depois mornas, esquecidas, sopradas ao vento ateu. 
Ela deixava-se arrastar por essa sensação de inquietude. Pronunciava palavras estranhas como quem tenta decorar um idioma desconhecido. Febril, exausta, enlutada de luas que perdidas se fizeram marcas. 
Cedera muitas vezes. Ora por simpatia, ora por nostalgia. Nem sempre fora fiel a si mesma. Desejara, mais paixão do que razão. Por fim, se aquietara, no canto, sem espanto. Sem forças para reiniciar mais uma história sem valor. 
Sorria por puro encanto. Desta vez, era tudo verdade. Era provar o que nunca fora dito. Esperar  o segredo que lhe soprara o vento. 
Nem pouco. Nem pequeno. Nada menos do que o merecido. Era enorme a conta, em parcelas mal dividida. 
Era tempo agora de desfazer o acordo. O certo era a paga. Sem culpas, sem marras. Leal como era ali o seu coração exposto: inteiro.  




quarta-feira, 19 de junho de 2013

SOB PROTEÇÃO

Enquanto as nuvens pesadas ameaçavam despencar em chumbo e cobranças, o abrigo surgiu. Poucos passos além do prometido, alcançado sem sorrisos, sem aconchego fácil. Seguro momento, retrocesso em processo. Pedras sem argumentos, piso sem pegadas. 
Ali permaneceu durante toda a tempestade. Protegida, atenta, frustrada menina. Com olhos arregalados de quem assiste a um espetáculo tentando não perder nenhum detalhe. 
Despiu as roupas molhadas, assumiu outras que não eram suas, porém secas e quentes. O abraço veio depois, silencioso encontro com o real.
Das nuvens, mais nenhum sinal. Lavado céu, pensamentos esfregados à exaustão, razão sem pó. No horizonte, apenas uma leve circunstância de desassossego. Poeira dourada estendida ao longo do dia. Era hora de recolher armas e desafios.
Refeita do susto, da ira, do querer mal feito, ela decidiu enfrentar o resultado de tudo. Não precisava de muito. Carecia de pouca verdade, pois o agora já lhe pesava de fato. De nada, buscaria explicação. Na pausa cometida, a justificativa já fora dada. Abordada sensação de abandono, suportável companhia revelada.
Insistiria no erro? Se enganara mais de uma vez. No auge da esperança, perecera no frio descaso. Sacudiu os cabelos como se uma juba ostentasse, só para desembaralhar pensamentos confusos. 
Já estava satisfeita dessa coisa de querer demais. Saberia ser menos? Suportaria passos menores e cuidadosos? Duvidava. No entanto, era tanto o despejar de ilusões, que desejou só tentar. Olhando assim, lá pro fundo do mar, beirando o céu, podia ver novas nuvens em formação, feito estrelas embaçadas por lágrimas. 

domingo, 16 de junho de 2013

MARCAS NA ESCADA


Santo, nem tanto. Em altares estranhos, consagrado. Pagão, de fato. De todos os nomes apelidado, guardião do querer e do poder. As marcas de vasos postos aos seus pés. Manchas úmidas de um depositar contínuo. O eco dos soluços nos degraus. São eles, aqueles que ainda acreditam. 
Teria sido belo? Teria sido em algum momento meu? Não de posse, mas de sentimento guardado em dias de plenitude?
Cansada de ouvir sobre a impossibilidade do seu desejo, aguardo em silêncio.  Sento-me na escada. Assisto aos jogos em andamento. Verifico os hematomas em formação. Descanso em suas verdades, nas horas que adquirem vida própria. Tudo em movimento nessa pausa que me permiti. 
Ele não aposta em minhas decisões, nas minhas reais conclusões e escolhas. Decidido está. Não volto atrás. Chave perdida, porta fechada. Só por um tempo, longo talvez, com asas, não sei. 
A liberdade recai em quem nela acredita. O preço nem sempre compensa, eu sei. Eu colho, recolho, escolho, me encolho. 
Tudo em mim é deserto de intenções maiores. A sua presença resume minhas opções. Tenho mais coragem em tempestades do que na janela da eternidade. E ele ali: como altar, pilar, patamar dos deuses. 
Cato, sem encanto, as pétalas caídas. Nem santo, nem anjo, nem deus. Um mero cavaleiro errante, nem tão cavalheiro assim. Aos seus pés, nunca. Em sua mente, talvez. Para sempre marca, nódulo, cicatriz em brasa, lembrança ativa. Tudo por mim encantado, incluído e bem-vindo. 

quarta-feira, 12 de junho de 2013

OS NAMORADOS

Já era hora de se fazer feliz. Não de repente. Não de qualquer jeito. Era o momento de escapar da divisão e  aceitar a dimensão do sentimento. As mãos dadas, os desejos entrelaçados. Os beijos dados, de quando em quando, como pingos de estrelas.
Olhavam um para o outro como se primeiro fosse o encontro. Não era. Acontecia já há tempo indeterminado. Em nada pareciam conflitar. Destinos traçados em açúcar e mel. Delícias prontas para provar aventuras.
Ela sorria como sempre. Esperava despertar mais estrelas no céu que aqueles olhos lhe ofereciam. Era tudo esplendor e magia. Como só os apaixonados são capazes de orquestrar.
Não havia silêncio. O que existia era uma pausa respeitosa, zelosa pelo instante amoroso. Sem palavras, os corpos já revelavam promessas. Feixes de luz, cascatas de cores e outros delírios. 
Para meio amor, nenhuma solução existe. Há de se amar muito para que o eterno se torne presente. Há de se poupar pouco para que o sonho se repita sem economia. Juras derramadas em lençóis de intenções e outras tensões.
Namorados enamorados, felizes como poucos. Ela sorria ainda. Ele refletia em riso franco o que via. Sinais de fumaça, mensagens ocultas, o que fosse, seria naquele momento ainda melhor. 
O dia acabava. O amor nem se gastara. Se repetia como jura, contagio fácil de emoção crescente. A lua molhando a noite em que mergulhavam os amantes e prometidos. Só amor. Sem fim. 


sexta-feira, 7 de junho de 2013

NEGATIVAS

Não pensar. Não mover músculo algum até que a inércia alcance o cérebro. E o coração deixe de pulsar tão freneticamente. Anos de treinamento até que a precisão de corte fosse lapidada a contento. Não haveria alegria, só embotamento do sentimento que transpira no momento.
Ainda assim, tento. Refaço percursos já gastos pelos meus pés. Analiso friamente planos que têm como raízes sonhos. Apodrecido tronco de expectativas. De onde vieram então estes frutos tão coloridos? Brilhantes produtos que habitam nos galhos da memória.
Não esperar. Nada. Deixar que o tempo corra, deslize calmamente e desague no oceano do esquecimento. Antes que tudo se reduza a pequenos fragmentos de acontecimentos aqui e ali. Embaraçados movimentos que se cruzam entre olhares e pesares. 
Não provocar. Tua ira. Meu desejo. Negociar com a vontade, atacar a sede e decidir pelo correto. Nuvens brancas desbotando a paixão. Aquarela de dores e supostos amores. Aguadas dimensões do que quase já se foi.
Não querer. De jeito algum. Permanecer aqui ou ali, dando voltas em lugar vazio. Pássaros cortando um céu que disposto está para o epílogo. Será esta noite a mais elegante passagem? 
Não sabotar. Envenenar, decerto, não será boa ideia. Parem portanto as prensas. Emprestem a mim, paciência e calma. Limpem a tinta da minha mente já entristecida pela despedida. Só se anunciou a chegada e já vejo lenços brancos sacudidos em janelas distantes. Há leis para combater o desuso do meu raciocínio? Há perdão para tudo o que quero cometer em teu nome? 
Não me negar. Só isso. Não me negue. 


terça-feira, 4 de junho de 2013

FROM LAYLA



Oi, cheguei! Não sei bem que lugar é este, mas parece bem legal, viu? Estou farejando tudo para sentir a área. Fiz xixi em alguns postes bem estranhos. Oopps, acho que eram pernas de anjos. Ah, mas ninguém reclamou ou brigou comigo. Acho que sou VIP por aqui.
Já recebi comida e abrigo. Carinho, também. Tenho até uma caminha, mas não como aquelas daí que destruí. Não tem a mesma graça fazer isso aqui porque não tem você me olhando e tentando ficar bravo com a minha peraltice. Pensa que não percebi que queria rir todas às vezes enquanto me dava bronca?
A cama parece uma nuvem, fofa, macia e cada vez que avanço, ela se transforma, se molda em formas diferentes e me acolhe. Dizem que é feita de amor. E você, Papai, me ensinou que o amor nunca se desfaz, né?
A vizinhança é boa. Nada daquelas lojas metidas com gerentes que me olhavam torto só porque eu queria me refrescar com ar condicionado. Aqui, muito latem, pouco ladram. Tem até uns cachorros gatos, digo, uns cachorros bem fofos. Mas agora sou anjo, então só discutimos sobre nossos donos. O meu, claro, foi e sempre será o melhor. Meu pai, meu amigo, meu protetor, o dono do meu coração canino.
É , tô bem aqui. Tudo é bem organizado, limpo e feliz. Mas sinto sua falta, dos passeios, do seu carinho, até das suas broncas e rabugice. Eu sei que é só falta de costume. Estou aí com você e você está aqui comigo. Sem condições, lembra? Amor de verdade, pra sempre.
Bom, é isso...au au au. Só queria dar notícias e dizer para você ficar bem. Olha quantas pessoas me amaram! E outras tantas que passaram a te amar mais por minha causa. Fomos uma dupla imbatível, não? Obrigada por tudo, Papai.

Da sua filhota, Layla. 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

CLARA ALMA

Sem motivo, entrou ali. Sem questionar, ajoelhou-se e rezou. Com graças, suplicando forças para aguentar o que viria. Não lhe pesava qualquer mau presságio. Tudo parecia se encher de luz , insuportável claridade que lhe preenchia olhos e peito. 
A fé atravessou altar e pensamento. Como lança repentina a perfurar tecido e humor. Fez-se doce, lembrança e ameaça. Sua pele arrepiada tornou-se quente e receptiva. Levantou-se e saiu de lá . Abençoada por forças estranhas, desconhecidas  conexões.
Os passos perderam a pressa das batalhas. O colo cobriu-se de amores. A alma perfumou-se de verdades maiores. Sustentou sorriso e esperança, armas que lhe convinham no momento. Enfrentaria uma vida cheia de reticências. Talvez, encontrasse parada e abrigo em outros braços. Talvez , ela mesma se tornasse abraço.
Atravessou rua em lua transformada.  Ainda estrelas em seus olhos, alegrias de um encontro. Seria dela. O possível. O mais que provável. Amanhecer de expectativas guardadas em noites veladas. Decerto, seria revelada em despertada sintonia. Mãos dadas com o destino, jurou felicidade.

sábado, 1 de junho de 2013

EXPULSA

Dali, não se via nada. Nem uma lua desfocada. Era tudo inexata escuridão Por todos os lados, um vazio de intenções. A distância já fizera sua parte. O que fora promessa e expectativa, ficou na primeira esquina do esquecimento.
Os pés continuavam firmes. Passos em sapatos de outro alguém. Alguns, ela nem queria ter dado. Desejara tanto seguir adiante naquela trilha torta e incerta. No entanto, nada era só escolha sua. Havia, por direito e honra, outros envolvidos. Fez força para respeitar decisões alheias, mas se sentia pressionada pelo desejo. E falou. Quase gritou. Ninguém gostou
Os aplausos não vieram. A noite entregava-se sem solução. O silêncio ecoando pelos corredores frios da reprovação. Portas abertas, par em par, apontando o caminho lá fora. 
Ela assim foi. Despida dos últimos agradecimentos. Subindo escadas carregando uma única certeza: a descida. Os degraus pareciam intermináveis, como peças de dominó em queda programada. 
Enfim, chegou à rua, sem lua. Todas as rotas traçadas em lápis de cor estavam agora apagadas pela decepção. A música cessara em algum momento da subida. Não havia qualquer chance de resgatar compassos ou cúmplices. Estava só e em silêncio. 
O caminho não parecia fácil, mas também não contou as pedras. Era a volta. Ao real, ao indiscutível terreno da verdade. Ali estava, dali não se furtara. Com suas mãos, abriria portões e seguiria. Porque um dia saberia encontrar o seu lugar.