domingo, 6 de novembro de 2011

O CAVALEIRO DOS SONHOS


Certa vez, no reino dos sonhos, aconteceu. Surgiu o cavaleiro que antes de tudo era um cavalheiro.E este se entrelaçou às raízes das minhas memórias e por lá ficou. Era quase um aviso, uma premonição, um resgate de algo que viria e nunca chegou.
O cavaleiro, nem tão alto, nem tão lindo, nem tão nobre, revelou-se impressionante. O olhar de cortar sentimentos ao meio e retalhar esperanças. Era claro, duro, gelado, quase cruel. Mas era também impaciente, irritado por não controlar o desejo. 
Ele, montado no seu cavalo sem cor, sem recordação; ela em pé, descalça e camponesa. Rainha na sua coragem de quem não tem nada a perder. Enfrentava aquele homem sem se incomodar com a diferença que tinham em tudo. Flutuava na imposição da sua própria vontade.
O cavaleiro já não era mesmo senhor de si, perdido na intensidade do desejo. Acreditou que era apenas uma fatalidade aquele instante. Segurou rédeas e sentimentos com firmeza. Se pudesse pisotearia tudo que ali nascia. Mas era um cavalheiro, mesmo em duelos já perdidos, porta-se com elegância e gentileza. A emoção do encontro, muitas vezes, se alimenta do desejo que se move entre os vãos da razão e da sensatez.

PRETO E BRANCO


Teria a vida sido criada em preto e branco e depois se colorido com o tempo? Eu, pessoalmente, gosto mais de fotos em preto e branco. São as chamadas fotos de arte, que abusam do recurso de luz e sombra.
O negativo e o positivo acentuam as linhas, as formas, o movimento. Tudo fica ali com um ar misterioso, mesclas de glamour e objetividade. Não é preciso convocar todas as cores do arco-íris para revelar a harmonia e a beleza.
Retratos deveriam ser todos em preto e branco. Tudo bem que perderíamos o esplendor de olhos cor de piscina ou o castanho olho de tigre, mas o ébano e o marfim já me bastam. Luzes e sombras traduzem tudo o que quero ver de um olhar.
Não sou uma boa fotógrafa, mas se fosse, seria fanática por black and white. Não é tudo mais definido sem aquela confusão de cores que se espalham pelo nosso cérebro?
No entanto, eu amo as cores. Gosto de me chocar com a árvore de flores amarelas berrantes. Preto e branco é para momentos mais reflexivos, mais artísticos, quando me permito deslizar por cada abertura de luz e me esconder no escuro.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O MEU HOTEL CALIFÓRNIA


Existe um lugar na minha mente no qual eu sempre sou bem-vinda. Tem uma placa tosca, mas simpática, com letras bem grandes WELCOME.
Logo na entrada, muitas flores e o som maravilhoso de mil violões tocando Hotel Califórnia dos Eagles. Posso até ver as águias cortando o céu. Este está sempre azul - ora claro, ora escuro com estrelas.
É lá que mergulho com todas as emoções de que sou capaz. E, sim, eu sou muito capaz nessas horas. É quente, denso, escorregadio, profundo e meio assustador. Tem cores fortes como Frida Kahlo, voz desesperada como Callas, um pouso incerto em cada céu e inferno.
Mas cada vez que fecho os olhos e respiro mais fundo, me deixo ir. Entro por aquela porta e esqueço-me de qualquer norma de segurança.
Os deuses estão presentes, os demônios também. Não há duelo possível. Não há pausas supostas. Há apenas minha alma experimentando todos os quartos do esquecimento e lembrança. Há tudo de mim. Há o mundo em mim.
A música continua seguindo meus passos. O ritmo do mergulhar diminui um pouco anunciando que é hora de voltar à tona. A razão resgata qualquer apelo da areia movediça. Volto meio tonta, meio acabada, meio embriagada do medo de mim mesma, mas renovada e encantada com a minha coragem.
É o meu hotel particular com hóspedes selecionados e gerência decapitada. Os violões só silenciam no último acorde necessário ao adeus.
Voltei, mas o hotel continua lá a minha espera.

FINADOS

Sempre achei interessante a palavra finados. Isso desde o tempo em que não tinha saudades de quem partiu porque ninguém tinha ido embora ainda.
Finados são aqueles que foram finalizados. É o fim. É a finalização de uma vida. E guardamos luto pelo chegou ao fim. Eu particularmente evito visitas a cemitérios e afins nesse dia. A energia concentrada de tanta saudade e dor me parece no mínimo sufocante.Presto homenagem aos meus mortos nos outros dias do ano porque lembro deles quase que diariamente.
Celebro a vida como um brinde aos que se foram. Finados foram. Fiquei eu. Ficamos nós. Até que um dia nos reuniremos. Ou não? Eu acho que sim. Eu torço para que sim.