quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O DESCANSO

Pausa. Inclinada sobre seus próprios sonhos, ela desvenda o olhar que a procura. Os músculos estirados, cansados, aviltados pelo excesso de movimento. Hora de parar, de reciclar, de buscar novas possibilidades que não envolvam tantos impulsos.
Começa a dedilhar a melodia que a envolve desde a manhã. Suas digitais marcam outra pele. Criam raízes nas camadas mais profundas, sugando o que ela deseja.
Em braços, jamais cruzados, ela descansa. Talvez não tão justa. Talvez não tão merecedora. No entanto, brilha em seus olhos o entusiasmo.
As palavras não vêm. Ela se cala, pois em nada se encaixa o que lhe sugere a mente.
Repensa na fila, na extensa lista de tarefas realizadas. O tempo foi curto. A vida apressada e sem paciência.
Esparrama os cabelos pelos sentidos que se misturam. Há pouco de tudo e muito de cada.
Deseja. Muito. Mas paralisa ao perceber que não há razão alguma para agitação.
Ri mais de uma vez. O eco do seu riso congela,inerte, repousa no silêncio que logo vem.
Em ondas, seus sentimentos movimentam-se, mas logo buscam abrigo no nada que se instalou.
Suspira. Aguarda que a pausa termine, mas ela não é breve. Repete-se em compassos sucessivos sem culpas.
Então, deita a cabeça no ombro oferecido e aguarda um afago. Ele vem. Ela fica. 

sábado, 10 de novembro de 2012

INSPIRAÇÃO

Espero. Não tenho mais o que fazer. Minutos passando, escalando emoções, depositando sensações. Ocasião perfeita para deixar as palavras fluirem. Mas elas não vêm. Atravessam direto para outra dimensão. Não cabem no papel. Não se expõem na tela.
Antevejo os desenhos transformados em letras. Balanço a árvore das ideias para ver se alguma mais madura me atinge. Tola ambição. Os frutos apodrecem sem que neles eu possa tocar.
Reviro o baú de intenções. São essas minhas falhas mais intensas. Grandes cúmplices de momentos criativos. No entanto, elas também me fogem. Sou uma mulher sem intenções agora. Quase sem pretensões.
Suspiro. O tédio domina meus pensamentos. De onde virão os sonhos? Estes sim constroem as palavras em mim. Doces, ácidas, quase livres, invadindo os corredores da imaginação. Resgato um ou dois, mas eles escapam pelas frestas do despertar. Tenho rastros oníricos por toda minha mente.
Divago. Te olho. Procuro em toda parte. Minhas mãos manchadas de tinta e a alma repleta de apelos. Escolho  o que me parece mais fácil. Teus sentimentos transformam-se em bolhas, translúcidas, frágeis, mas são tão perfeitos que me deixo dominar. Ladra, cansada, aposso-me do que tanto queres que eu veja.
Transpiras. Não ajo. Por encanto, ofertas são mais do que beijos, esses lampejos verbais. Dou nome ao que sentes. Escrevo. Denuncio cada detalhe como se fosse meu.
Ela veio. Forte, inteira, embalada em seda. Descubro camada por camada com cuidado, com quase amor. Dela me cubro. Mergulho, sem susto, nesta tão esperada inspiração.


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

LUZES

Acostumada que estava a se enrodilhar na própria sombra, ela assustou-se com a quantidade de claridade que invadia seu mundo. Em feixes luminosos com poeira suspensa criando desenhos de anjos. Entre suspiros e gemidos, despiu-se de qualquer argumento. Não era hora de vestir véus ou armaduras. Era momento de plenitude, de alcançar o topo da montanha. De se entregar ao derradeiro laço e apertar o nó.
Não havia prazo ou limites. O tempo deixara de passar e somente a respiração marcava o compasso dos sentidos. Redemoinhos de sensações abrindo espaços inimagináveis. Partículas minúsculas arremessadas em alta velocidade, batendo nos cantos, nos sonhos e transformando tudo em beijos.
Deslizando pela pele, ameaças rompiam o silêncio que se entregava à escuridão. Hora de luz, de espanto geral. Que as estrelas despencassem do impossível e abrissem lábios em flor.
Fogo, ar, água e terra. Lama transportada em baldes de prazer. Labaredas que inflamavam desejos e rebatiam na água das expectativas. Pulmões cheios de todas as promessas feitas. Beijos, abraços, o que fosse preciso para que o mundo não acabasse no vazio.
Do caos, fez-se luz. De toda a escuridão, surgiu o dia mais ardente. Que mil faces revelassem o brilho e que a verdade afundasse nos lençóis. Que a felicidade desse instante lavasse as pichações dos muros da vergonha.
Ela sorriu. Mais de uma vez. Todas as vezes que tocada pela luz. De repente, já não era mais uma mulher. Era toda chama acalmando-se em brasa.