sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A SOMBRA DA JUVENTUDE



Para onde foi a minha juventude? Pergunta a velha senhora olhando-se no espelho. Mas o reflexo é mentiroso e não lhe revela de fato a verdade. Somente devolve os traços físicos de um ponto de vista mecânico, sem essência e sem poesia.
Então, a doce velhinha gira em sua cadeira de rodas com a agilidade que a idade lhe permite. De repente, tem uma ideia; na verdade, uma lembrança alegre da infância. Brincar de sombras! Brincar com elas ao invés de acumulá-las no seu coração. Desliga a luz, deixando somente o abajur aceso. E põe-se a brincar com as mãos, com a luz, com a sombra, com a alma. E lá está ela: uma linda bailarina, aquilo que sempre foi: leve e sábia conhecedora de todos os passos importantes na vida. Na sombra esquecida pelos holofotes do cotidiano, está a sua real imagem: mais do que mil palavras, sua alma revelada em sonho, poesia e promessa.
Aquela menina bailarina permanece viva, feliz, sorrindo a cada compasso da vida. Se o corpo envelhece e se curva ao Senhor Tempo, a alma continua em um constante desabrochar, revelando a cada instante uma nova pétala colorida, cheia de viço e frescor.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A VIDA E SUA MÚSICA


Houve um tempo que bastava existir. Não precisava justificar cada emoção com uma razão.  Não sentíamos a vida correr tão rápido. E de fundo, a trilha sonora da nossa vida. Muitas músicas desenrolando os acontecimentos ora marcantes ora maçantes. E nesse tempo perdido entre os séculos, fiz minha coleção musical na intenção de mostrar minha alma quando dela me afugentasse.
Entre os vários compassos que compartilhamos em silêncio, em total ignorância um do outro, as pausas revelaram-se longas demais. Os acordes foram mais dissonantes por causa de dúvidas juvenis. A leitura das partituras se tornou falha porque passei a duvidar da possibilidade do encontro. Os mundos não se cruzavam e as nossas vidas não se alcançavam. Na tentativa de mais uma história feliz, muitas melodias foram arquivadas. O sótão está cheio dessas notas penduradas em memórias que não nos pertencem. O senhor do tempo foi mais longe.
Cada música marca assim uma década, um determinado ano que vivemos em lados diferentes, mas em geração única. Somos contemporâneos quase vizinhos. Mas como diz a música Flor de Lis, o destino não quis e o meu jardim da vida ressecou ou morreu.
Guardo com carinho todas as canções, todas as baladinhas ingênuas e todos os grandes sucessos como homenagem a nós mesmos. Nós que vivemos pouco um do outro, que perdemos a chance de um encontro no meio do caminho, que nos livramos dos males um do outro, que nos fixamos em portos diferentes, que acendemos lareiras em acampamentos distantes. Nós que perdemos as músicas, que não soubemos de onde o som vinha e por isso nos queixamos do barulho. Amamos as músicas, mas as perdemos juntos.

domingo, 11 de dezembro de 2011

BREVE ENSAIO SOBRE A PAIXÃO PLATÔNICA


Bastaram os primeiros acordes de uma velha canção para levantar o véu das lembranças. Era um capítulo esquecido, abandonado à própria sorte, condenado à inanição e escravizado pelo tempo. Metodicamente dobrado em mil partes para caber em uma gavetinha lá no alto, longe de mãozinhas curiosas.

Quem já não teve uma paixão platônica? Dessas que nos fazem corar sem qualquer aviso? Dessas que deixam incrédulos os mais românticos cidadãos?

A minha, talvez única, foi coisa dos anos 80. Por isso, a música despertou sua lembrança. Falo de um tempo em que não havia internet, essas facilidades de e-mails explicativos e mensagens instântaneas. Um tempo de demora nas respostas, de ausências mais sentidas e de cartas. Sim, cartas. Ah, nunca tinha me visto assim tão donzela do século XIX, tropeçando na saia do meu vestido e me abanando com uma carta manuscrita. Isso, letra cursiva sobre papel, não na tela do computador.

Tudo começou com uma foto vista pelo meu... aham....sei lá. Não nos encaixamos em nenhuma definição de relacionamento. Nem amigo, nem namorado, nem amante, nem inimigo. Ah, será então meu querido desconhecido.

Quando meu querido desconhecido viu minha foto 3x4, preto e branco, com 12 anos, caiu na besteira de elogiar minha imagem. E se as notícias não voavam naquela época, pelo menos correram o mais rápido possível e chegaram a mim. E eu o convidei para minha festa de aniversário de 13 anos, com um convite de tema quase infantil. Esperei, ele não veio... os amores platônicos nunca vêm. Isso é um fato.

Trocamos pouquíssimas cartas. Quer dizer, pouquíssimas da parte dele e um lote maior da minha. Isso se repetiu em outros relacionamentos, ou ensaios de relacionamentos o que me tornou uma pessoa que não espera correspondência ou troca de mensagens. Eu escrevo, mando e-mail, se houver resposta, oba, se não houver, acho normal. Pode ter sido chato, mas agora me livra do peso da expectativa.

Pois, os anos se passaram e não obtive mais rastro algum do meu querido desconhecido. Às vezes bate uma brisa de nostalgia, de saudade de uma inocência que não me acompanhou... às vezes, me pergunto se algum dia, em algum lugar, em alguma circunstância nos encontraremos, nos olharemos e caíremos na risada, numa estrondosa gargalhada de tão ridícula a nossa não-história. E escreveremos juntos um parágrafo de encerramento, que não seja “felizes para sempre”, mas "eternamente ligados pela impossibilidade do tempo e do espaço". Finalizaremos com um beijo, casto, claro. E seremos felizes, sim, cada um pro seu lado, reescrevendo sua própria vida.

sábado, 3 de dezembro de 2011

QUANDO A LOUCURA PEGA PESADO

Eu nunca a conheci muito bem. Agora, penso que isso foi uma benção! Um comentário banal, curioso, sem peso algum, deflagrou na criatura o monstro. Claro, eu não estava pronta para me defender. Ninguém nunca está, de fato.
Minha defesa foi a coerência, o esclarecimento do que era a minha verdade. Mais pedras caíram no meu telhado e ele não é de vidro, é de cristal. Da próxima vez, será de diamante, o mais duro e resistente que houver. Mas este delicado teto se estilhaçou e quase me atingiu. Dizer que entende meus problemas foi imbecil. A referência a um acontecimento trágico passado foi uma insinuação de erva daninha. E ela entende, mas se diz  não responsável pelos meus problemas. Ai, que alívio!
O que a gente faz com uma pessoa assim? Um lado meu já está escolhendo o melhor camarote para apreciar a derrocada da "amiga". Outro lado, aquele que acenou com a bandeira branca, prefere deixar pra lá e rezar por essa alma destroçada pelos surtos psicóticos que decerto pipocam naquela mente insana. Raiva? Claro, mas passa. E depois vem a pena. O tempo sempre se encarrega de varrer qualquer vestígio de ressentimento (e não para debaixo do tapete!). Sendo bem clichê, minha vingança é ser feliz.
Paz! (Aprendendo com uma amiga zen)


domingo, 6 de novembro de 2011

O CAVALEIRO DOS SONHOS


Certa vez, no reino dos sonhos, aconteceu. Surgiu o cavaleiro que antes de tudo era um cavalheiro.E este se entrelaçou às raízes das minhas memórias e por lá ficou. Era quase um aviso, uma premonição, um resgate de algo que viria e nunca chegou.
O cavaleiro, nem tão alto, nem tão lindo, nem tão nobre, revelou-se impressionante. O olhar de cortar sentimentos ao meio e retalhar esperanças. Era claro, duro, gelado, quase cruel. Mas era também impaciente, irritado por não controlar o desejo. 
Ele, montado no seu cavalo sem cor, sem recordação; ela em pé, descalça e camponesa. Rainha na sua coragem de quem não tem nada a perder. Enfrentava aquele homem sem se incomodar com a diferença que tinham em tudo. Flutuava na imposição da sua própria vontade.
O cavaleiro já não era mesmo senhor de si, perdido na intensidade do desejo. Acreditou que era apenas uma fatalidade aquele instante. Segurou rédeas e sentimentos com firmeza. Se pudesse pisotearia tudo que ali nascia. Mas era um cavalheiro, mesmo em duelos já perdidos, porta-se com elegância e gentileza. A emoção do encontro, muitas vezes, se alimenta do desejo que se move entre os vãos da razão e da sensatez.

PRETO E BRANCO


Teria a vida sido criada em preto e branco e depois se colorido com o tempo? Eu, pessoalmente, gosto mais de fotos em preto e branco. São as chamadas fotos de arte, que abusam do recurso de luz e sombra.
O negativo e o positivo acentuam as linhas, as formas, o movimento. Tudo fica ali com um ar misterioso, mesclas de glamour e objetividade. Não é preciso convocar todas as cores do arco-íris para revelar a harmonia e a beleza.
Retratos deveriam ser todos em preto e branco. Tudo bem que perderíamos o esplendor de olhos cor de piscina ou o castanho olho de tigre, mas o ébano e o marfim já me bastam. Luzes e sombras traduzem tudo o que quero ver de um olhar.
Não sou uma boa fotógrafa, mas se fosse, seria fanática por black and white. Não é tudo mais definido sem aquela confusão de cores que se espalham pelo nosso cérebro?
No entanto, eu amo as cores. Gosto de me chocar com a árvore de flores amarelas berrantes. Preto e branco é para momentos mais reflexivos, mais artísticos, quando me permito deslizar por cada abertura de luz e me esconder no escuro.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O MEU HOTEL CALIFÓRNIA


Existe um lugar na minha mente no qual eu sempre sou bem-vinda. Tem uma placa tosca, mas simpática, com letras bem grandes WELCOME.
Logo na entrada, muitas flores e o som maravilhoso de mil violões tocando Hotel Califórnia dos Eagles. Posso até ver as águias cortando o céu. Este está sempre azul - ora claro, ora escuro com estrelas.
É lá que mergulho com todas as emoções de que sou capaz. E, sim, eu sou muito capaz nessas horas. É quente, denso, escorregadio, profundo e meio assustador. Tem cores fortes como Frida Kahlo, voz desesperada como Callas, um pouso incerto em cada céu e inferno.
Mas cada vez que fecho os olhos e respiro mais fundo, me deixo ir. Entro por aquela porta e esqueço-me de qualquer norma de segurança.
Os deuses estão presentes, os demônios também. Não há duelo possível. Não há pausas supostas. Há apenas minha alma experimentando todos os quartos do esquecimento e lembrança. Há tudo de mim. Há o mundo em mim.
A música continua seguindo meus passos. O ritmo do mergulhar diminui um pouco anunciando que é hora de voltar à tona. A razão resgata qualquer apelo da areia movediça. Volto meio tonta, meio acabada, meio embriagada do medo de mim mesma, mas renovada e encantada com a minha coragem.
É o meu hotel particular com hóspedes selecionados e gerência decapitada. Os violões só silenciam no último acorde necessário ao adeus.
Voltei, mas o hotel continua lá a minha espera.

FINADOS

Sempre achei interessante a palavra finados. Isso desde o tempo em que não tinha saudades de quem partiu porque ninguém tinha ido embora ainda.
Finados são aqueles que foram finalizados. É o fim. É a finalização de uma vida. E guardamos luto pelo chegou ao fim. Eu particularmente evito visitas a cemitérios e afins nesse dia. A energia concentrada de tanta saudade e dor me parece no mínimo sufocante.Presto homenagem aos meus mortos nos outros dias do ano porque lembro deles quase que diariamente.
Celebro a vida como um brinde aos que se foram. Finados foram. Fiquei eu. Ficamos nós. Até que um dia nos reuniremos. Ou não? Eu acho que sim. Eu torço para que sim.

domingo, 16 de outubro de 2011

NADA

Nada é pouco, nada é pequeno. As emoções vão puxando como uma densa e inevitável areia movediça. O perigo é tão palpável que mancha a pele dos amantes. A areia escorre e ao mesmo tempo preenche todos os lugares habitáveis pelo desejo. A única saída perdeu-se no por do sol.

        Nada é louco, nada é estreito. As palavras confundem-se com as possibilidades dos copos empilhados. O bom senso desmancha-se com o calor que nutre e funde . A lava percorre o vazio e ao mesmo instante que aquece, destrói toda esperança de uma paz futura. A única saída perdeu-se no último suspiro.

        Nada é um soco, nada é apenas. As mensagens em vão se amontoam no canto. As roupas se rasgam ao vento. O fogo sedimenta o acaso. A falha corre entre o querer e o poder. Do mesmo modo que assume , renuncia a qualquer elo, a qualquer laço. A única saída perdeu-se no primeiro beijo.

LUZES E LÂMINAS



A lua tem tua luz tatuada nas costas e mesmo assim te revela
a lua espera e entre crateras vela pela hora da tua entrega
a lua tem tuas horas guardadas nas luzes apagadas de mil velas
Em fugas noturnas, espetáculos privados
esperadas lutas travadas por promessas soturnas
verdades e pedradas ora suaves ora quadradas
A lua reflete suas fases
na lâmina fria que descansa
entre os vãos das palavras
que se mantêm afiadas
quase preparadas, quase atentas
para desfazer qualquer miragem
qualquer suspeita  que em um desejo não caiba

Os cortes que ainda insistem
nas marcas que o aço liberta
nos momentos de um salvar esquecido
de um perceber sem gumes
esgueirando-se no reflexo de mil duelos
na arte de se jogar sem julgar

sábado, 15 de outubro de 2011

O DESEJO DA SAUDADE


Eu molharia minha alma na saudade
Nadaria na correnteza das tuas lembranças
Espalharia água pelas margens passadas
Respingaria fotos e fantasias
Moveria moinhos
Eu mergulharia no teu desejo
Tomaria fôlego para te alcançar
Perderia a direção nas minhas braçadas
Eu te encheria de beijos boca a boca
Desejaria oceano no lugar de lago calmo
Arderia e esfriaria como lava no mar
Transformaria areia movediça em solo firme
Atravessaria com o desejo de cachoeira
preenchendo o vazio da saudade

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A OPÇÃO DO OLHAR

Sempre que olhamos para uma pessoa, temos a possibilidade de encontrar o melhor ou o pior nela. Quanto mais nos aproximamos, mais podemos mergulhar no ótimo ou no péssimo do ser. Se começamos a gostar da criatura, vemos o seu paraíso físico, mental e espiritual. Se implicamos com ela, deslizamos ribanceira abaixo com suas imperfeições mais odiosas.
Perdoamos as maldades do ser amado, justificamos a infantilidade de um colega, adornamos com flores a imbecilidade de um amigo querido. Mas quando não gostamos, destilamos o fel, o cal, o estrume mais potente da sua essência.
 Porque quando somos bons, somos bons. Mas quando somos maus, somos melhores ainda, melhores na acusação, na difamação, na batalha de picuinhas.
Então, que opção fará quando olhar para o seu próximo?

domingo, 2 de outubro de 2011

APRENDENDO COM O TEMPO

Foto de Yanire
Houve um tempo em que eu ansiava por respostas. Não simples respostas, mas imediatas. Cada ato meu deveria receber atenção como determinava a lei da Física: cada ação gera uma reação. Acontece que nem todas as reações são visíveis, palpáveis ou verbalizadas. Há a resposta no silêncio, no esperar entre as pausas, na respiração da dúvida. Muito jovem, eu não pude compreender que a resposta estava ali entre os parênteses dos acontecimentos.
No entanto, eu queria uma resposta, uma reação positiva ou negativa. Não ficar no vácuo. Não meditar no silêncio. Eu poderia entender contratempos, mas não pausas longas demais. Não ainda, não já, não naquela hora.
Eles me ensinaram quando não deram atenção a minha urgência, ao meu suplicar desmedido, a minha apressada necessidade de preencher lacunas.
Com eles, aprendi a não esperar. A não me sujeitar à vontade do outro.`Assim, quando ajo, faço, escrevo, penso, não espero aplausos ou vaias. Eu não espero nada. Não crio expectativas, não alimento medos ou fantasmas. Dou, a mim mesma, aprovação ou desagrado.
E se houver uma resposta, um aplauso, um sorriso, recebo tudo com muito carinho. O momento torna-se especial porque nasceu sem ser arrancado, sem ser exigido.
Ainda me exibo e me acho, vez ou outra, mais especial do que sou. Outras vezes,percebo-me menos interessante do que devo ser.
Nem sempre é uma conquista, nem sempre é um prazer, nem sempre é como colher flores. Arranho-me com os espinhos também. Mas sangro pouco. Porque assim, aprendi. Porque assim me ensinaram sem querer. Ou queriam?

O DESPERTAR DA IRA

O que desperta a sua ira? O que puxa pra fora toda a fúria adormecida dentro de você? Um dos sete pecados capitais pode ser inflamável e volátil. Às vezes, basta um pisão no pé para despertar o monstro furioso. Outras vezes, é preciso cavar, cavar, cavar com toda a maldade do mundo para encontrar o esqueleto irado.
Há pessoas que se inflamam facilmente, mas do mesmo modo, apagam e se tornam cinzas. Destas, eu não tenho muito medo. Como sempre digo, convivendo com esse tipo de pessoa, você sempre sabe de onde vem o tapa. Pode evitá-lo ou revidá-lo. O problema são as pessoas calmas, plácidas, tranquilas. Essas cultivam verdadeiros redemoinhos que puxam energia, abastecendo uma central de mágoa que mais cedo ou mais tarde, vai explodir. Ou implodir?
A raiva quando não expressa, não trabalhada, não posta de castigo num canto e disciplinada, tende a se esconder debaixo de sentimentos camuflados. Surge então a depressão. De tanto reprimir a raiva, a ira, o caldo ferve e esburaca a emoção. É o câncer emocional, a energia mal canalizada que trava tudo.
Devemos ser irados? Não. Coléricos? Só por cinco minutos e longe de objetos cortantes. 
Negar a ira, não a elimina. Melhor convidá-la para uma conversa e descobrir suas razões.



quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A RESPOSTA PODE ESTAR NAS NUVENS

Maria olhou para o céu. Quase limpo, quase liso. Algumas nuvens espalhadas pelo vento manso da tarde. Reclamou algo baixinho enquanto desviava de mais um buraco na calçada.
A irritação misturava-se a uma espécie de tédio que nela se instalava mais do que o necessário. Estava com boa saúde, seu pé esquerdo já não doía tanto e tudo parecia bem. No entanto, uma certa prostração caminhava em sua direção e por mais que ela acendesse o sinal de alerta, não conseguia espantar o pesar da angústia.
Decerto, algum distúrbio hormonal estava acontecendo em seu organismo. Contou os dias do seu ciclo e até o número se encaixava numa possível TPM. Maria ainda retrucou - Nunca fui disso! Se não era isso, o que seria?
Olhou novamente para o céu. Os pequenos montes brancos começavam a se avolumar com velocidade. Iria chover? Iria trovejar? Iria cair uma tempestade daquelas? Não, não parecia haver uma ameaça imediata.
Quando pequena, Maria descobriu que seu humor reagia dramaticamente à aproximação de uma tempestade. Ficava irritada, nervosa, apreensiva e quando os primeiros pingos de chuva batiam no chão, tudo se acalmava. Era como se toda a eletricidade contida no céu se espalhasse na sua mente e corpo. Sou um radar de chuva, brincava.
Pela terceira vez, olhou para o céu e desta vez, quase tropeçou no cachorro do vizinho. Nuvens fofas espalhando-se como dançando uma valsa. Sem explicações para os seus instintos à flor da pele, Maria conformou-se: era tudo bobagem ou a resposta poderia mesmo estar escondida entre as nuvens.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A ESTRANHA CONFIANÇA

Todo mundo diz que devemos ser confiantes, seguros de nossos potenciais e graças. Mas será que todo mundo quer a nossa confiança de verdade?
Outro dia, durante uma conversa casual, uma amiga me disse que certa atitude minha demonstrava insegurança. Eu estava contando sobre minha atrapalhada exposição deste blog. Imediatamente, rebati: não é insegurança, é cabotismo mesmo.
Não sou a maior escritora do mundo, mas sei que escrevo bem. Tem coisas assim na vida: você sabe que faz bem. Não precisam falar nada, você simplesmente sabe. Tem dia em que escrevo melhor e dia  em que escrevo textos medíocres, mas é minha mediocridade querida.
Provavelmente, choquei minha amiga com minha afirmação. Eu não estava pedindo aplausos, embora não tenha nada contra eles.
Por essas e outras é que penso ser melhor guardar certas conclusões para mim mesma. O mundo não está preparado para tanto ego. 

domingo, 18 de setembro de 2011

O VELUDO E O COTIDIANO

Um rasgo no sofá. Assim, de repente, ele aparece com o seu ar de denúncia. Não estava ali e agora se faz presente, largo e folgado na sua indelicadeza. Tudo bem, o sofá não é novo, não é feito de couro legítimo, mas resistia ao tempo.
Enquanto os dias passam e arrastam consigo o esplendor da relva e glória da novidade, percebemos que algumas fissuras e rachaduras aparecem pelos cantos. Se for bem no meio do teto, o dia a dia pode desabar nas nossas cabeças. É fato e não é nada bonito.
Onde está o aconchego dos dias frescos de primavera? O veludo das noites celebradas? A maciez da gentileza dos primeiros contatos? A fluidez das palavras iniciais que se acomodavam entre as pregas de um tecido nobre? A trama esgarçou? O drama pesou? O dinheiro acabou?
O rasgo multiplica-se rapidamente se não tomamos o cuidado de restaurar o primeiro estrago. E a espuma embolorada salta para fora acusando o descaso. Como remendar, reformar, transformar o que já foi firme e macio em algo que ainda nos conforte e segure nosso corpo e alma? Ou devemos simplesmente aceitar o rasgo como uma cicatriz a mais na existência, que é bela, mas não é indestrutível?
Não podemos nos livrar do cotidiano, nem evitar seus momentos mais pesados. Mas podemos cuidar do veludo que o reveste, limpando-o quando necessário e com a delicadeza de restaurador de relíquias. 
Cubra-se com o seu melhor veludo e sorria. Porque não sabemos quanto tempo temos antes do próximo rasgo.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A CARTA

Vi você chegar
Dia sim, dia não
Vi suas mãos de perto
O mundo mudando de cor
Acreditei na magia
E não percebi a cilada doce e fatal
Dia sim
Dia não
Seus olhos mais distantes
Mãos vazias
Eu tive de rir muitas vezes
Ri de mim
de você
do silêncio entre os beijos
Já era hora de dizer adeus
E eu disse
Você é que talvez...
... não ouviu.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

LUCY IN THE SKY WITH POETRY


Era uma vez uma professora que decidiu que os seus alunos deveriam, sim, sonhar acordados. Ela desejava que os adolescentes admirassem os poetas como estrelas não tão distantes, mas muito mais brilhantes. Não sei de todos os detalhes envolvidos, mas Lúcia conseguiu um céu estrelado onde só havia o previsível.


Com a ajuda dos seus alunos, colou estrelas de vários tamanhos no teto da sala de aula. Para que as estrelas não se sentissem sozinhas ou inúteis, buscou os versos e pensamentos com elas relacionados. Ficou lindo! As estrelas representavam sonhos e, quem sabe, como dizia Guimarães Rosa, pessoas que ficaram encantadas.

O teto já não era mais um teto, era uma constelação. Imagino que a participação dos jovens deve ter sido aquele misto de caos e contentamento do qual só os chamados inexperientes são capazes. Consigo imaginar a professora voltar seus belos olhos azuis para o céu criado e suspirar feliz.

E do caos das palavras multiplicadas em versos, surgiu o silêncio do encantamento pela obra realizada. Só então, assim como no espanto de Olavo Bilac, ouviram-se estrelas.


LUA EXTINTA

Continuo procurando  pela lua, pelo mistério materno. Já nem sei se quero encontrar suas marcas em minha vida, embora sinta os contrastes da magia em minha própria carne.
Se amanhecer rápido demais, terei os olhos ainda mais despertos. Há multidões de sonhos à minha espera. Aguardarei tua volta até a próxima esquina, depois já terei ido embora. Talvez me encontre em outra rua brincando de amarelinha. Não ria, então. Sou ainda uma menina com sonhos adolescentes e medos infantis. Mesmo que o meu corpo denuncie maturidade de mãe, sou ainda uma menina que prefere rir a chorar, brincar a perder. Por isso, é muito fácil para mim perder o que mais quero. Por isso mesmo, é fácil demais perder a mim mesma.
Eu não estou dizendo adeus. Nem mesmo até logo. Basta de promessas. É muito mais do que isto. Ficarei por perto observando e quando me cansar, tentarei a distância.
Não há surpresa em parte alguma. Não peço bis nem aplausos. Peço uma lua cheia. Uma lua que me devolva a fecundidade de ideias e sentimentos. Uma lua que reflita minha imagem de menina.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

MAIS TARDE DO QUE NUNCA

Nada mais do que espanto. A magia do tempo escorrendo entre os destinos. Cobiçavam corpos e mentes, ateavam fogo em promessas vãs, cuspiam ilusões. Conheciam o mistério do desejo, a química do desengano, a fórmula perfeita da fantasia. Mãos dadas, linhas entrelaçadas. Quantos feitiços existiriam naquela noite?
Iam assim seguindo a noite, suavemente embriagados pela lua mãe. Pediam proteção para suas entidades ocultas, para suas próprias armadilhas. Eram tão poderosos e, ao mesmo tempo, temerosos de seu próprio veneno.
Ela sempre desejara que o destino tivesse um rosto como o daquele homem. Mesmo que não conseguisse se lembrar dele com muita frequência. Buscava naqueles olhos um redemoinho de paixão e confusão. Não entendia porque seus olhos pareciam miragens. Amanhã, apagaria tudo, do nada recomeçaria e a lenda se confirmaria.


domingo, 28 de agosto de 2011

O Mundo Bipolar




Parece que virou moda. A atriz declarou-se bipolar, diagnosticada por uns três ou quatro amigos e buscou a quarta opinião em um renomado psiquiatra. Bipolar. O termo é até bonito, invoca a imagem do polo norte e do polo sul, extremos do planeta. No entanto, a situação de um bipolar não é tão nítida assim.
A pessoa não se descobre bipolar. Não é ela, são suas emoções. Eu diria mais: a vida é bipolar. Quem já não viveu um dia de êxtase seguido de uma noite atormentada? Quem já não se chocou com a bipolaridade do nascimento de um em contraste com a morte do outro? E o clima então? De manhã, frio intenso, meio dia de ventos abafados e à noitinha chuva de verão? Se esperarmos mais um pouco, neva. Isso é bipolar. É chegar do hemisfério sul direto ao norte. É chocar o polo positivo com o polo negativo e tentar tirar daí alguma energia para continuar vivendo quase normalmente.
Para o transtorno psiquiátrico, toma-se medicação. E a vida bipolar, o que fazemos com ela? Ou aceitamos a emoção e o pânico da imensa montanha russa ou vamos enfrentar maus pedaços. Não há como esperar sensatez e equilíbrio da vida. Não depende só de nós. Tudo conspira a nosso favor e contra nós , de um segundo ao outro. Isso não é emocionante? É, mas também extenuante, desgastante, quase degradante.
Enquanto me acerto com os polos alheios e extremos, procuro me equilibrar no eixo, buscando o meio do caminho, onde está a virtude e os mais chatinhos neurônios organizados em fileiras.
Onde estará esse equilíbrio tão desejado? Exatamente entre os polos, no Equador??? Ou será apenas um mito criado pela civilização?

domingo, 21 de agosto de 2011

LINHAS CÚMPLICES

Houve uma vez um casal de amigos. Os dois inspiraram  palavras e assim foi feito. O casal já não existe mais e deu origem a novos casais que também se desfizeram. Assim, caminha a humanidade e seus relacionamentos.

Era. Era uma. Era uma vez. Incondicionalmente unidos. Parte de um todo que já se subentendia em teorias desconversadas pelos corredores.
Musa egípcia, poemas beat. Ele, confuso: livro nas mãos, os olhos na musa. Já se conheciam há tanto tempo! Entre as obscuras mensagens da esfinge do tempo. Ou teriam se lido? Descoberto os mistérios em cada linha escrita. Sim, provavelmente haviam se decifrado até semanticamente.
Caminhavam em cada verso que se inspiravam mutuamente. E se não fosse suficiente, cobriam-se de rimas que nunca se repetiam. Sussurravam como cúmplices, parceiros de roubos impunes. Que falar dos assaltos, da armadilhas inconfessáveis? Eram todos turnos da paixão. Pegadas suaves e felinas, sem medo do despertar. Por que não aceitar a eternidade do momento?
Sempre que se viam, mudavam. Um pelo outro. Ninguém percebia porque era osmose invisível, indissolúvel. O essencial residia a poucos segundos. Não havia pressa, desde que viagem se iniciara.
E era. A era de tudo. Ao som de David Bowie ou de Marina Lima. O mesmo saber que, nem ao menos precisava ser provado. Conviviam entre fogos de artifício e alusões a futuros remotos. Testemunhas do único presente possível.
Encontravam-se reproduzindo sombras e luzes. E quanto mais vibrasse a cor, seus olhos tornavam-se suaves diante de tudo. Enquanto se seguiam, cresciam. Eram duas linhas que se cruzavam lentamente, com cuidado para não causar alarde. E continuavam a leitura, nem sempre silenciosa.
No muro mais próximo, lia-se a mensagem deixada por um ou pelo outro:
"Descubro-te em mim. Pouco a pouco. Se ainda me segues, assim vou. Jamais estes séculos levarão outro nome. Que mal pode haver em escrever tuas iniciais no centro da minha vida? Por todos estes séculos aguardados. Por todos os séculos que virão."


sábado, 20 de agosto de 2011

PELO SOL E PELA CHUVA!

Há dias que são assim: uma enorme nuvem atravessada por raios de sol. Você não sabe se reza pelo sol ou se aprecia a chuva e o arco-íris seguinte. Esperamos tanto pelo dia ensolarado, alguns pela praia, outros pelo mergulho no oceano, mais alguém pelo passeio programado com a família. Ansiamos também por uma manhã tranquila espalhada pela cama em um domingo chuvoso.
Uma das minhas lembranças mais doces e felizes é a imagem da minha janela em uma manhã chuvosa. A goiabeira da vizinha sendo encharcada pelas gotas e os pássaros buscando um improvável abrigo. Uma paz invadia meu coração, minha alma, meu corpo. Não sabia que horas eram. Tinha minha filha ao peito, um lindo bebê que me olhava como sua fonte sagrada de alimento e amor. Então, ali, a chuva me pareceu uma benção inexplicável.
Para amanhã, espero que Santa Clara nos ouça: clareai! Estendei suas graças pelos telhados, pelas nuvens, pelas praias, pelo mar, pelos nossos dias. Beijai nossas promessas de um dia claro e tranquilo. Que as crianças brinquem, que o dia se arraste feliz. Que a vida brilhe como o sol no céu. Que sejamos claros e amorosos, contentes e transparentes.
Pelo sol e pela chuva, que seja um dia feliz! Pois, decidi que acordarei assim: feliz e satisfeita com o céu que se apresentar. Porque o segredo de viver bem é esse: adaptar-se ao que vem com um sorriso.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

AS ESTAÇÕES EM MIM

Encontrei um texto de mais de vinte anos atrás. Reli minhas próprias palavras com certo espanto e ternura. Espantada com a densidade dos sentimentos daquela jovem que eu fui. Emocionada por ainda compreender o que senti, mas feliz porque tudo já se foi. E olhando assim de longe, da distância dos anos, acho que é uma história a ser contada, sem os castelos e sem o final feliz, mas linda por ser tão autêntica e vivida até a última possibilidade.

Quando mostraram o teu coração, eu já estava cega. Ainda assim, insistiram em te explicar em negativas. Mais de uma vez. Centenas de vezes, revelaram um conteúdo vazio, sem interesse algum. As palavras eram de uma precisão possível só a terceiros. Mil faces foram descobertas, checadas, devastadas. Tua vida inteira dissecada sobre uma mesa fria.
Depois de horas, gritaram qualquer coisa. Questionaram teu nome, teu interesse, teus passos. Comecei a perecer com medo do que me diziam. Minhas folhas trocaram o verde por tons acobreados. Fui me tornando outono.
Do meu cérebro, arrancaram tudo o que possuía teu nome. Fui ficando vazia, sem possibilidades. Prenderam-me os braços, já que eu não os cruzava. Mas, ainda falava e povoava o ar com mil lâminas afiadas. Nada detinha minhas palavras.
Por medo de novas ameaças, preenchi minha mente com fantasias. Fingi renúncia e traição. Que eles não enxergassem qualquer ponto de luta em tudo aquilo. Que eu conseguisse enganá-los até o fim.
Contentes com o meu abandono, ladearam-me de flores. Pude sentir os espinhos nos caules. Eram rosas. Vestiram-me de branco ou qualquer outra cor. Na ignorância dos meus olhos, conservei o negro em minha mente. Pintaram minhas faces, meus olhos e lábios. Disseram que tudo estava bem, que eu seria feliz.
Contaram-me lendas gregas e outras tantas romanas. Aprendi nomes de deuses e ninfas. Injetaram-me sangue novo. Redecoraram toda minha mente com cores vivas. Então, descobri, tarde demais, que tua lembrança estava aprisionada em mim. Longe, na mais alta gaiola.
Tentaram te mostrar evidente demais, sem possibilidades de perdão. Apresentaram-me um beco sem saída. Entreguei-lhes todos os meus sonhos. Só então recuperei a visão.
Sem sonhos ou fantasias, sem minha sagrada cegueira, era impossível fugir da realidade. Eles ali expondo tuas ideias , declarando tua culpá, tuas traições ignoradas por tanto tempo. Buscavam em mim a mais profunda mágoa para incriminá-lo. Estavam longe, longe como um enigma sem olhos.
Os momentos seguintes arrancaram minhas raízes. Meus cabelos foram cortados em uma noite fria. Já era inverno e minhas folhas apodreciam.
Gritaram todos os teus caminhos contra mim. Contaram teus passos sobre o meu entusiasmo, da tua indiferença, do teu silêncio, do teu abandono.
Arranhei mãos, cortei cordas, amaldiçoei-os até o fim. Havia palavras pulsando dentro de mim. Por mais que surgissem provas do teu distanciamento, por mais que pronunciassem tuas palavras como mentiras, tudo poderia mudar e mudou.
Então, ao terceiro dia de minha inexistência, atropelei todos os risos, toda descrença e olhei para tua gaiola. Quando enxerguei teus olhos inalterados em tua prisão silenciosa, reencontrei minha força. Podia ser miragem, ilusão, um mundo de mentiras, mas me manteria viva.
E não sei o que houve. Já não sei o que há. Se será, desconheço teus passos. Não posso responder por todos os séculos que virão. Sei apenas que o agora parece eterno e belo. O amanhã permanecerá intacto como um esfinge sem signos, quase na próxima esquina.
Todos os dias passarão. As folhas trocarão a seiva por uma última queda. Depois será outono e virá o inverno. O frio castigará minha vida e levará meus sonhos. Eles voltarão. Nada há a se fazer. Nem mesmo o registro da dor e da alegria superará a ignorância do amanhã. Somente o sentir, imune a qualquer tempo, saberá calá-los. E mesmo que minhas palavras, rimas e metáforas sequem, permanecerão em mim como nasceram. Serão teu nome, o meu sentir.



terça-feira, 9 de agosto de 2011

RITMO OCULTO

Possuía ares de dançarino de tango, desses que tumultuam salões inteiros e enchem de exclamações as bocas mais rubras. Uma mancha de cobre nos cabelos e palmas sempre úmidas. Seus passos descreviam um caminho incerto, mas convidativo. Algo de rude a lhe cobrir os olhos. Era como um vendaval desvendando mistérios alheios. Atingia as raízes mais fortes sem perceber porque o fazia.
O corpo não lhe bastava na terra. O ar não lhe enchia todo o ser e a água não lhe apagava o calor. Nem mesmo o fogo mais genuíno lhe tocava a pele.
Era assim sua própria inspiração. Os passos levando sua vida no vão de palavras nunca questionadas. Às vezes, enganavam o hábil dançarino com promessas e assim o tombavam. Sucediam milhões de tropeços, quedas e dores. Mas, suas pernas fortes o erguiam como um grande carvalho emergindo do solo árido. Houve dias em que lembrava cimento, asfalto, concreto. Tornava-se inflexível como suas próprias paredes. Em outros momentos, a areia caía-lhe no rosto e o fogo abraçava seu coração. Ardia como se fosse tomar a direção certa, como se fosse descobrir o mistério, como se, então, a verdade fosse sua.
De repente, um compasso qualquer lhe pareceu estranho. Não sabia mais dançar. Cercou-se do silêncio e interpretou todos os segundos seguintes. Acharia o momento certo. Acreditava em seus passos, na sua própria essência.
Após horas de agonizante espera, encontrou o compasso certo. Ardia de expectativa. Queria saltar ou correr, mas deveria apenas dançar. As notas voltaram a lhe parecer familiares logo nos primeiros passos. Seus pés dançavam, revelando um novo ritual.
Guardou todo receio na palma das mãos e continuou a obedecer o ritmo que surgia quase o rasgando por dentro.
Restava-lhe toda a madrugada. Todas as horas, minutos e segundos eram só seus. Era ainda um dançarino de tango. Desses que tumultuam salões inteiros e colhem suspiros pelos cantos. E na palma úmida, uma nova linha nascia.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

GENÉRICO

Tomo medicamento genérico. Confio, pago e engulo. No entanto, torço meu nariz para qualquer generalização. Os britânicos são pontuais. Os franceses são esnobes e não tomam banho. Os alemães são frios. Os suíços corretos e chatos. E assim por diante. Se não se divide o caráter por nacionalidade, surge a subdivisão por gênero: homens não prestam, mulheres são complicadas. Todas??? Tudo farinha do mesmo saco... saco de falta de criatividade.
Minhas digitais são únicas, meu DNA especial, e assim é com todo mundo. Ninguém é uma cópia, até que o clone realmente seja uma realidade, eu não discuto. Pessoas são assim ou assim não são. E algumas pessoas nem pessoas são.
Te aceitarei com toda sua pouca semelhança comigo, com todos os teus traços genuínos e pouco familiares aos meus olhos. Te amarei ou odiarei por tuas qualidades e teus defeitos ou por tudo isso misturado. Mas não me atirarei desse abismo porque todas as arianas são asssim e se ariscam. Somos mais ou menos parecidas, temos mais ou menos os mesmos gostos e tiques, mas não estamos na mesma paleta de cores e nem na mesma cartela de comprimidos. Aí está a beleza da nossa convivência - cada ser humano é uma descoberta única e distinta.  


domingo, 31 de julho de 2011

EMBARCANDO NO SEGUNDO VAGÃO

Hora de mais um recomeçar. Segundo semestre oficialmente aberto à caçada de expectativas guardadas. Olhares assustados com a velocidade do tempo e uma certa preguiça de retomar a rotina. Agosto surge desafiante, tirando o pó dos planos engavetados logo no começo do ano.
Peguem as malas e corram para a estação. O trem do segundo semestre já está partindo. Cuidado , ele é pontual e não admite atrasos. Coincidindo com o dia nacional da Suíça, a pontualidade do primeiro dia de agosto é notável.
Gosto de começos, recomeços, pontos de partida que apontem como setas para um objetivo. Tudo é muito subjetivo e vago, mas o calendário nos dá uma certa sensação de segurança, de garantia matemática da passagem do Senhor Tempo. Não discuto com a cronologia que percorre meu corpo e alma. Não calculo meus dias pelas linhas, marcas, cortes e cicatrizes. Aceito o cair constante da areia na ampulheta da vida. Às vezes, tenho muita pressa. Do quê, não faço a menor ideia. Acostumei-me à afobação do cotidiano. Outras vezes, esbarro na minha própria letargia como quem observa admirada o esplendor da relva ou o glamour de outros tempos.
Vamos! Meu pé direito já alcança o primeiro degrau do segundo vagão. Primeira classe ou não, o importante é o embarque, o suave balanço nos trilhos, a paisagem correndo pela janela. Quero companhia de qualidade nessa viagem para que o destino, seja ele qual for, seja alcançado com alegria e glória. Nada menos do que isso.

domingo, 24 de julho de 2011

CABEÇA FRACA x CABEÇA FORTE

Com a morte da cantora Amy Winehouse, instalou-se em todos os tipos de conversa as razões da sua partida tão prematura. Uma jovem deixar assim a vida causa sempre um choque. Porque poderia ser sua filha, sua sobrinha, a vizinha ou você. Ela assumiu um risco? Ou todos do mundo? Talento desperdiçado, vida encurtada, mito criado.
Lendo os comentários sobre a repercussão da possível overdose da cantora-diva do pop, deparei-me com uma defesa tímida de um amigo ao chamá-la de cabeça fraca. Aí fiquei pensando no que seria uma pessoa cabeça fraca. Nasce cabeça fraca ou enfraquece os neurônios com o desenrolar dos dias, meses, anos e décadas?
E quem tem cabeça forte, nasce assim ou toma vitaminas cerebrais? O que não mata, fortalece - diz o ditado. Eu já acho que o que não mata pode aleijar. Sentimentos aleijados podem ser piores do que a própria morte.
Dez anos a mil ou mil anos a dez? Vinte e sete anos não é uma vida inteira, é vida cortada ao meio, estragada no auge do surgimento de uma constelação.
Não sei se tenho cabeça forte ou fraca. Sei que tenho momentos de fortaleza inquestionável e de fraqueza insuportável. Ninguém é uma coisa só, definida e definitiva.
Por ser fraca e forte, entendo e lamento a curta jornada de uma artista que em algum momento perdeu o rumo e deixou as coisas acontecerem ao invés de acontecer nas coisas. E deu-se o caos do qual ninguém está livre.
Paz !

sexta-feira, 22 de julho de 2011

UM FIM DE SEMANA PARA SE DESPEDIR

Ela resolveu dar férias ao que já não existia de verdade. Fez as malas e as empilhou na porta de casa. Abarrotadas de recordações, maldições e outras coisas tão desnecessárias. Olhou para aquele arranjo mal sucedido de um dia de adeus. De tanto experimentar e viver cada momento ali arquivado, podia citar um a um com detalhes delicados e alguns sórdidos.
Ela deteve-se no hall do quase esquecimento. Olhou para as paredes desgastadas pelo tempo, pelo vento da indiferença que enfeiava tudo por lá. Não sentir é quase matar as memórias que vivem em outra pessoa.
Resolvida, girou a maçaneta, abriu a porta e deixou o presente carregar a bagagem passada. Não teve tempo para remorsos ou sentimentalismos.
O fim de semana já lhe trazia tudo: horas para perdoar,  rever seus erros e sorrir para algumas colocações tão acertadas. Fazia as pazes com aqueles que não pertenciam mais a sua vida, mas que às vezes ainda assombravam sua mente.
E quando as recordações voaram para as gavetas do passado, ela sorriu. Porque já não a atingiam, apenas tomavam assento em um lugar remoto. Deu as mãos para o que foi bom, mas precisava ir embora. Lentamente foi soltando as mãos, as bençãos, as indagações, os porquês, as falsas esperanças, o medo e o orgulho. A libertação dói no seu momento certo e desperta novas cores no horizonte.
Um fim de semana. Nem um dia a mais. Basta, ela falou enquanto fechava novamente a porta e caminhava para a escada. Subiu os degraus como quem sabe que só há um jeito de seguir em frente: deixar as sombras para trás.

NÃO GOSTO MAIS DA SUA MÚSICA

Sabe aquela música que sempre tocava no momento incerto de uma emoção mal interpretada e que ficou cravada na sua mente como um punhal? Aqueles compassos tão melodiosos que faziam as lágrimas surgirem do nada? As notas que rodopiavam procurando brechas na sua tão fadada insensatez? Pois é, a música morreu. Terminou esgarçada, triturada pelos dentes do cotidiano, alimentando o solo do esquecimento.
Aquela música era sua, não minha. Possuía passagens de loucura e bravura. Repousava nos ternos silêncios que se balançavam pendurados em colcheias em lua cheia. As linhas da pauta que tremiam ao menor sinal de abandono já não respondem mais à clave espaçosa no começo da partitura. Foi-se!
Se o rádio resgata a melodia dos porões ou do subsolo da memória, não a reconheço. Afasto os ouvidos de qualquer composição passada. Assumo meus novos compassos, sem dar lugar para gavetas mofadas ou partituras rasgadas.
Não gosto mais da sua música. Simples assim.

sábado, 16 de julho de 2011

E SE A MÚSICA NÃO TOCAR?

Há coisas que acontecem de maneira misteriosa. Ou simplesmente não acontecem. Você espera que a cena se encaixe no momento certo nos primeiros acordes de uma música especial. No entanto, a cenografia falha, o sonoplasta desiste de acrescentar aqueles compassos ao ritmo da sua vida e tudo se embaralha.
Há momentos que parecem ser regidos por um maestro temperamental, daqueles que amedrontam tanto os músicos quanto a plateia. Os instrumentos surgem como armas afiadas, granadas prontas para explodir em nossas mentes e varrer para sempre qualquer rastro de sensatez.
Há pessoas que desfilam em nossas vidas como personagens em um trailer de filme. Seu andar coincide com a música de fundo e arrasta consigo as últimas notas de uma melodia inebriante.
Há acidentes que ousam perturbar a história de soldados e desertores. Suprimem qualquer possibilidade de recomeço, como um furacão destruindo as ilusões e aceleram o desfecho.
Mas e se a música não tocar? Se não houver nada, nem prazer, nem angústia, só um silêncio perturbador?
Ainda prefiro o desenrolar atrapalhado dos dias que se debatem e são empurrados contra o muro do acaso. Ainda escolho os compassos sem harmonia, os contrapontos e as pausas momentâneas. Porque a vida é assim: música viva.

domingo, 10 de julho de 2011

A TRILHA SONORA DOS NOSSOS DIAS

Ainda não sei se escrevo melhor no silêncio ou ao som de canções inspiradoras. Escrevo o que corre na mente e nem sempre recolho o que escorre. As músicas empurram as palavras, engatilhando-as em frases que caem surpresas no papel. A melodia percorre meus neurônios e assume o controle das emoções a serem deflagradas no momento seguinte. É assim que é. A inspiração que antecede o ato e o grand finalle que parece nunca surgir na hora certa.


Instrumentos de corda ao fundo ou a percussão mais pesada do planeta? Não importa. Cada momento da nossa vida poderia ser acompanhado de uma trilha sonora específica. Como em um espetacular vídeo clipe, a rotina seria mais colorida e mais iluminada. As lembranças ficariam arquivadas com som, cor, aroma e mais o que viesse no pacote.

Difícil escolher uma melodia certa para o episódio em questão. Temos músicas especiais que nos levam a quilômetros de distância, a anos luz na existência. Os sentimentos não mudam, mas as emoções liberadas ficam mescladas com a intensidade do ritmo, as pausas, os contratempos, o agudo e o grave de uma voz qualquer.

As´músicas emprestam asas às minhas palavras e elevam o nível das minhas lembranças. Intensificam fatos vividos, debocham de outros capítulos que insisto em reprisar. Há música para tudo, para todos os dias e todas as noites. O som preenche o que antes não existia.

Que todos nós possamos caprichar na escolha da trilha sonora de nossas vidas e assim, embriagados pelas notas mágicas, seguir em frente mais felizes.

terça-feira, 5 de julho de 2011

E NÃO OLHE PRA TRÁS...

Nas pausas das esperas, as mães conversam. Trocam opiniões sobre momentos cruciais em suas vidas como o primeiro dia do filho na escola. Para algumas, a separação, mesmo breve, parece uma tortura. Para outras, é um marco na sequência de desenvolvimento das crianças. Para mim, foi a emoção do primeiro ato independente.
Laura queixa-se porque sua filha Ana não se agarrou as suas pernas chorando para que não a deixasse ali naquele lugar, com aquelas pessoas estranhas. Bia confessa que chorou depois de conseguir convencer os gêmeos a ficarem na escola. Há uma certa incoerência nos sentimentos maternos. Não se quer que o filho sofra, nem se apegue a momentos difíceis. Ao mesmo tempo, há uma certa melancolia ao perceber que o rebento pode sobreviver longe do ninho, do colo materno.
Eu lembro muito bem quando minha filha chorou na porta da escola. Não porque eu ia deixá-la ali, mas porque queria entrar, queria fazer parte daquele mundo tão interessante com outros seres como ela. A diretora deixou a menina de 2 anos entrar, mexer nos brinquedos e até participar da aula de dança das crianças maiorzinhas. E lá ela estava feliz, pronta para aquela nova aventura. Difícil foi convencê-la de que não era ainda a sua hora. Ainda faltavam alguns meses para que fosse matriculada na escola. Mas quando o dia chegou, ela triunfou. Acostumada a ficar só comigo, provavelmente estranharia o afastamento. Todos me alertaram : essa menina vai dar trabalho, vai abrir o berreiro na porta do colégio. Não escutei, eu conhecia minha filha. E lá foi ela, uniforme novo, mochila nova de carrinho,  que ela mesma puxava toda confiante do alto dos seus quase três anos. Dei um beijo na sua bochecha fofa e a entreguei às professoras na porta. Ela olhou para trás? Não, nem uma vez. Nada, nem um passo hesitante. E eu? Feliz, muito feliz pelo vôo independente e cheio de segurança da minha cria.

domingo, 3 de julho de 2011

* UMA ESPOSA EXPATRIADA * one expat wife: SUPER-MEGA-SORTEIO BRASIL-TAILANDIA + MEU LUGAR FA...

* UMA ESPOSA EXPATRIADA * one expat wife: SUPER-MEGA-SORTEIO BRASIL-TAILANDIA + MEU LUGAR FA...: "Queridos Amigos BLOGUEIROS e NÃO-BLOGUEIROS, HOJE completamos 2 ANOS DE BLOG, e no próximo DIA 21 faço ANIVERSÁRIO (como minha irmã gemea,..."

sábado, 2 de julho de 2011

A AMIZADE E O PERFUME

Fui lá, confiante como uma estudante nas aulas de redação, tentar definir o que é amizade e o quanto os amigos são importantes no meu caminho. Postei minhas palavras no blog alheio, querendo participar de um sorteio. Achei que seria pura questão de sorte, mas no fim foi muito melhor: gostaram do que escrevi. O perfume perfumará meu corpo, mas desde já perfuma minha alma como um troféu. Ah, a vaidade humana....
Devo dizer que sou feliz em termos de amigos, porque eles não me desapontaram mais do que eu a mim mesma. Todos tão diferentes entre si e todos tão queridos. Todos tão urgentes no meu crescimento pessoal e tão merecedores de graças e afagos. E o texto que me rendeu um perfume foi:


Dizem que a amizade é o amor com asas. Talvez porque deixe o outro voar, sem posse, sem exigir garantia alguma. Amigos são amores sem amarras , comprometidos apenas com a troca de afeição e de broncas necessárias.


domingo, 26 de junho de 2011

SOB NOVA DIREÇÃO E TEMAS.

Já tratei do arrependimento aqui. Já falei de remorsos. Desandei a criticar o excesso de temas repetitivos que povoam a vida alheia. Logo eu que tenho a máxima: viva e deixe viver. Gosto mesmo é da liberdade de ser o que puder ser, onde estiver, do jeito que for. Aceito em mim  a capacidade de voltar no meio do caminho, de parar e dizer: não está bom por aqui, vou pegar essa outra direção. Melhor ainda quando me permito dar meia volta sem ligar para as recriminações ou de parecer volúvel.
Ainda acho que a vida não deve ser encarada como um parque temático, só para ser uma grande vitrine de felicidade para os olhos alheios. No entanto, esqueci de mencionar que vivencio temas: de festinhas a musicais. Adoro qualquer florzinha que enfeite o cenário empobrecido do dia a dia.
Às vezes, sou uma sereia mergulhada em um oceano de fantasias de fazer inveja a qualquer lunático. Outras vezes, sou a dama em preto e branco do filme mais noir que alguém já ousou produzir. São temas, delírios e invocações. Sem falar nas mesas de festinhas de filha, sobrinhos e afins. Adorei colocar cada papel crepom, amassar papel de bala até virar matinho. Pintei, bordei, elaborei, inventei cada cenário que pudesse me convidar para mais um ato criativo. Sim, também sou feita de temas, mas procuro ser original em cada um deles para que a vida me pareça menos enfadonha e ditadora.
Se eu vou seguir um tema, ele já sabe: posso abandoná-lo no meio do caminho e dar meia volta volver.
O resultado é o seguinte: eu sobrevivo sem os temas e eles sobrevivem sem mim, mas seremos sempre parceiros no jogo do desafio criativo da vida.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Arrependimento é pecado?

Já me cansei de ouvir que ninguém se arrepende de mais nada. Virou chavão dizer "só me arrependo do que não fiz". Ainda há aqueles que, nobres conhecedores da sua própria alma, acrescentam pérolas como: não me arrependo de nada porque tudo que fiz me levou aonde estou, me tornou quem eu sou.
Claro que tudo o que vivemos nos transforma, mas vai dizer que alguns episódios não poderiam ser descartados ou, pelo menos, reciclados? Aquela palavra maldita, apressada, sem coerência e objetivo, não poderia ter sido deletada? Os erros são necessários para o crescimento, mas dizer que não se arrepende é afirmar que não se muda e se não se muda, não se evolui. Se não há evolução, o que estamos fazendo aqui? Ocupando espaço?
Eu me arrependo quase na mesma proporção de que me orgulho das minhas atitudes. E liberado o arrependimento, a vida se torna mais fluida, mais plena de possibilidades de alegria. Não preciso ser perfeita e o meu arrependimento não busca perdão. Ou talvez busque. O meu.
Se você não se arrepende perde a chance de refazer o caminho trilhado. Se você não se arrepende, emburrece, se torna estátua de sal e destino do caos.



A VIDA NÃO É UM PARQUE TEMÁTICO

Espanta-me a quantidade de temas que enfeitam a vida alheia. Outro dia, uma amiga anunciou sua gravidez ao mundo através dos meios virtuais. Logo depois, surgiram fotos ilustrando o início da gestação, o primeiro exame, as roupinhas fofas, tudo documentado e encaixado em uma moldura igual – um mundo de sonhos com ursinhos, borboletas e bebês risonhos. Caprichos de futura mamãe? Ou a tendência mundial de exposição radical?
E os casamentos atuais? Nada de uma capela pequena e poucos convidados. A flor de laranjeira deu lugar a quase um abacaxi. O exagero define-se em todos os detalhes, e pipocam fotógrafos de todos os lados. Para os convidados a imagem sagrada dos noivos é ofuscada pelos profissionais apertando-se em busca dos melhores ângulos. Tornou-se um espetáculo. O padre é mero figurante e as imagens sagradas apenas peças de cenário. É preciso documentar, registrar cada olhar, gesto e palavras dos noivos. Afinal, estamos no maravilhoso mundo dos apaixonados, o ingresso é o amor.
Até os divórcios tornaram-se tema. No Orkut, vemos as fotos das pessoas recém libertas do julgo do casamento atearem fogo nas suas memórias matrimoniais e exporem suas novas atividades. De novo, vivem em um mundo aparentemente perfeito. Vida nova, parque novo.
Festas de crianças sempre tiveram um tema. Mas era coisa simples, um enfeite no bolo e, no máximo, um painel confeccionado por uma tia mais habilidosa, além de uma mesa mais decorada. No auge da empolgação materna, uma fantasia para a criança aniversariante, obra da costureira da esquina. Hoje não, os buffets logo apresentam uma pilha de álbuns com exemplos de temas de aniversário. Os personagens vão dos mais singelos como as princesas encantadas aos assombrosos desenhos mais violentos.
E vendem.... E os pais compram tudo combinando com o tema, e os convidados entram em um mundo preparado para eles, mas sempre há alguém que reclame de algo. Afinal, nenhum parque temático resiste à crítica alheia.
A vida deveria ser mais simples do que isso. Deveríamos apenas nos preocupar em viver da melhor forma possível. Poderíamos enfeitar nosso cotidiano com flores, abraços, beijos e gentilezas. O casamento feliz não precisaria virar notícia nos meios da informática. O nascimento de um lindo bebê não se transformaria em capa de revista.
Não, a vida não é um parque temático. Apenas estamos perdidos nas possibilidades brilhantes que a mídia nos apresenta. Sucumbimos aos prazeres da exibição tal qual um pavão abrindo seu leque de plumas deslumbrantes. Quem não se adequar a tudo isso, pode ser expulso do grande parque sem maiores explicações.