sábado, 26 de maio de 2012

PRESSA

E a heróína cansada de tanta afronta a sua liberdade emocional, escreveu a carta que, de fato, queria esculpir na face daquele que se foi e ainda produzia sombras:


Como diz a música de Adriana Calcanhoto: você tem meia hora para mudar a minha vida. Ou mudo eu. Sem paciência para lidar com abstrações e possibilidades. Não tenho tempo disponível para entender suas razões, seus motivos camuflados, suas inseguranças de adolescente tardio.
E eu não apresso o rio, ele corre sozinho. Mas corre! Não fica lá parado esperando a sua decisão, se você se joga e mergulha ou fica observando os barquinhos de papel naufragarem na sua própria fragilidade.
Li em algum lugar que o problema de não se cair em tentação é que pode não haver outra chance. É bem por aí: agarra o cavalo da oportunidade pela crina porque ele não vai galopar na sua direção novamente.
Tem gente que troca fácil o roxo da paixão pelos arroxeados leves da frustração. Sinto muito, mas não estou aqui a passeio e muito menos para inflar seu ego. Que ele se sustente sozinho. Não me peça reforços porque não tenho vontade de estimular sua claudicante vaidade.
Eu quero mais e quero agora. Pra ontem. Contra qualquer ponderação e administração dos sentimentos e sublimação das emoções. Onde se viu adiar a vida para quando a sua agenda esteja mais tranquila? Como assim? Aposentar-se do romance porque é mais seguro? Claro que é mais seguro e muito mais chato também. Morre-se assim de inanição emocional.
Mas o fato é que não tenho tempo para as suas contemporizações. Não perco noites de sono tentando descobrir o que não deu certo. Agora só dou atenção ao que está dando certo, mesmo que seja um pouco errado, mas está fluindo, está acontecendo. Valorizo quem está presente, quem me faz rir e é meu amigo. Se você não me acompanhar, vou ficar triste sim. Por um minuto ou dois, não mais do que isso.
Um dia, aprenderei a ter calma, a ser zen, a saber contemplar a vida com suas planícies de virtudes e planaltos de sensatez. Um dia, eu não serei mais eu, mas serei plena de sabedoria e tolerância com aqueles que teimam em gastar meu tempo com atitudes imbecis. Enquanto isso não acontece, fique com o eco de um dos poucos palavrões que falo na vida. Você merece e eu não perco meu tempo repetindo. Punto e basta!

Sua, ou melhor, aquela que nunca poderia ter sido sua

Ana Luiza

quarta-feira, 23 de maio de 2012

LEGO


Deixe-me falar algo sobre o aniversariante de hoje. A pessoa mais lego do planeta. Não a mais legal, a mais LEGO mesmo.  Feito de múltiplas pecinhas coloridas que se encaixam de maneira quase  sempre surpreendente. É verdade que, vez ou outra, uma peça se perde e desaparece por completo. Ou você pisa nela e fica xingando aquele pedaço colorido de vários nomes impróprios. É assim mesmo, tanto brilho, tanta cor e suas múltiplas possibilidades têm lá o seu lado chato.
Com o tempo, qualquer um tenta se  acostumar com o número exagerado de peças, de interesses, de formas e fica ali entre atordoado e abismado com tanta inteligência e aquele sorriso que só as pessoas legos possuem.
Ah, ele é exatamente assim, ou melhor, inexato como todas as mutações da natureza. E talvez por ser tão empolgado com tudo e com todos, foi buscar nas ciências exatas alguma âncora. Não que ele passe segurança... ah, não, não passa mesmo, mas nem precisa. Mas eu sou suspeita do começo ao fim. Virei amiga de infância e acabo sempre perdoando e sendo perdoada. Já é um DNA de afinidades e provocações.
Eu sei que tudo se transforma, que os mecanismos se aperfeiçoam e peças  são constantemente trocadas na  busca  de uma alternativa mais digna para o obsoleto. Mas gostaria de pensar que o conheço, que aprovo seu colorido e ainda troco sorrisos lego-legais. Parabéns por hoje e por todos os séculos e séculos e séculos...com dízimas periódicas compostas, querido amigo.

terça-feira, 22 de maio de 2012

MENINO LUZ


O quão perto você chegou de um anjo? Eu já toquei, beijei, abracei e amei desde o começo. Não é todo mundo que consegue enxergar suas asas enormes, brancas e protetoras de toda fantasia do mundo. Só aqueles escolhidos pelo amor de verdade, pela ternura doce que transborda no olhar, pelo querer mesmo quando as palavras se atrapalham no vazio.
É todo perfeito, imaculado, conservado em doses diárias de amor e muita paciência. Não entende o que não vê com seus olhos de promessas ainda não reconhecidas. Tem seu apelo primitivo, seu agitar nervoso de asas que se debatem na intolerância de alguns minutos. O mundo assusta, então afasta o mundo. A alma grita, mas a voz fica entre o pouco e o muito alcançado.
Tem aqueles olhos que se iluminam quando vê outro anjo e ele tenta pegar o azul que se derrama no olhar materno. A luz se espalha porque recebe os pais certos, guerreiros escolhidos em tribos talvez mais avançadas. Não há ali nenhum espaço vazio, nenhuma pausa que justifique dor ou desespero. Ali, uma mãe, um pai, uma irmã, se embaralham nos sentidos do menino. Tudo faz parte do seu mundo que não é pouco, mas está em outro plano, um lugar protegido por chaves mágicas.
Parabéns pelo seu dia, Lucca. Que os seus olhos só vejam beleza e alegria. Que seja tudo colorido,mas tranquilo. Que as palavras alcancem seus sonhos e tornem tudo mais fácil. Que você possa sentir e experimentar todo o amor que há ao seu redor porque ele é todo seu.


quarta-feira, 16 de maio de 2012

O CRAQUELAR DO MEDO

Ela possuía esse estranho hábito de se atirar. Mergulhava assim sem nem tomar fôlego. Era imprudente, apressada, atordoada, com aquela intensidade que lhe roubava o ar. Coragem? Nem pensava nisso. Só precisava ir, agora, já, naquele trem, entrar no vagão mais próximo. Partia. E às vezes partia o próprio coração, o fazia em pedaços e estraçalhava a alma sem pudor. Lágrimas rolavam, mas ela ainda estava em movimento. Parar não era uma alternativa.
De vez em quando, muito de vez em quando, ela escutava a voz do medo. Quando batia um vento gelado, quando a resposta não vinha de imediato, quando o silêncio era maior do que sua esperança. Aí, ela se deixava cair. Paralisava com receio do que ainda nem havia acontecido. Sentia-se rejeitada por não ser mais a favorita de um rei qualquer. Nem mesmo rei ele era. Era um qualquer. Mas o pavor era real e doía, rasgava seu entusiasmo e amolecia seu ego.
Não que ela se deixasse dominar pelo medo, mas ele a encostava na parede fria da dúvida. Então, não tinha outro jeito, precisava enfrentá-lo à altura. Quando podia, ia com unhas e dentes em busca da sua liberdade. Ninguém é livre com medo. Ela já sabia disso. Combatia as próprias lágrimas com uma força avassaladora que surgia como lava. Queimava, ardia e ela cuspia fogo. E daí, se ele não aparecer nunca mais? Se esquecer meu telefone, meu nome, meu cheiro, meu gosto? E daí, se nunca mais conhecer sua história? E daí se me arrancar da lista de amigos, da agenda, da memória, da vida? Serei menos eu? Terei perdido minha identidade secreta? Apagarei da face da Terra como cinza indesejada? Não, ela gritou bem alto na cara da vida. E o medo que enrijecia seus músculos e cobria todos seus sentimentos com uma camada envernizada, começou a ceder. Craquelou, produzindo fendas cada vez maiores. E através desse quebrar, a luz se deixou entrar e sair sem ordem.
Ela tinha esse hábito estranho de superar. Tudo e todos, se preciso. Imprevisível mistura de fogo e água, minúscula em alguns momentos e gigante em outros.
Ela era assim. E nem o medo podia com ela.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

POR ACASO


Não foi calculado.
Não foi planejado.
Não foi sequer sonhado.
Foi por acidente.
Foi quase indecente.
Aconteceu improvisado, entre ondas de um dia qualquer. 
Sob o sopro inconstante do tempo nas dunas do querer.
Então, não me culpe.
Não me leve a mal, nem a bem, nem mesmo além.
Constate o fato, decifre o enigma e me chame de novo.
Porque foi assim nesse inexato momento.
Nasceu deste seu suposto pensamento.
Cresceu ideia e desceu sentimento.
Alcançou o profundo, atingiu o calor e transformou tudo em chamas.
Não foi deliberado, nem mesmo aguardado.
Foi apogeu e fúria.
Foi o que dava pra ser naquele instante.
Escorregou entre os dedos, lambido, sugado, tragado.
Surgiu nos seus olhos e adormeceu nos degraus das palavras.
Bateu na minha porta.
Suspiro, gemido, tremor.
Acabou ali, espalhado, inerte na sua desaprovação.
Não foi o que eu queria.
Não foi o que eu tinha.
Escureceu antes do tempo e perdeu a hora. 
Foi mudo, duro, frio.
Trouxe de volta, puxou para o fundo.
Emudeceu de vez.
Foi tudo.
Foi nada.
Cada peça em desalinho total.
Sem trégua, sem selva, sem nenhuma promessa.
Não foi por você.
Não foi por mim.
Foi à toa.
Foi por acaso.


sábado, 5 de maio de 2012

DEVO ESPERAR?

Quantos minutos consomem a minha já pouca paciência? A insistência do silêncio mergulhado nessas pausas intermináveis. Dúvidas multiplicando-se com o correr dos dedos do tempo, espalhando sarcasmo onde antes havia alguma esperança. Mais do que esperança, havia animação, promessa de festa. E agora o nada apaga as pegadas do entusiasmo infantil, da ansiedade quase nata, da loucura disfarçada de alegria.
Quantas ameaças cobrem meu leito vazio? Os lençóis dobrados, reproduzindo os sulcos na mente sonhadora. As palavras cavando fundo para não perderem o sentido na superfície do óbvio. A certeza esfregada pelas paredes, por dentro, por fora, por todo o lugar. Cheira à tinta velha, apodrecida pelos momentos desperdiçados, pelo calar de mais uma noite.
Quantas sentenças proferidas pela minha razão? Pensamentos debatendo-se com medo de não serem mais do que ilusões. Sombras e luzes, cores e flores, encantamentos seculares, maldições quebradas. O anoitecer caindo sobre um sol que não se sustenta, pois é irreal.
Quantas fantasias merecem morrer assim? Os minutos embolados nas horas que se antecipam a qualquer perda. Hora de deixar de esperar, de perder os sentidos, de trocar as capas e deixar tudo escapar. Não há prazer nessa espera, não há nem ao menos um propósito, uma estratégia, um argumento que valha.
Devo esperar? O eco volta a perguntar. Não, não devo esperar. Nada, nem ninguém. Porque o que será, será...E o que tiver valor e for de verdade jamais poderá ser esperado. Porque será. Apenas será. 

OBRIGADA


Obrigada por me deixar ir, por me empurrar para fora, por me atirar no mundo sem planos antecipados.
Se me deixa agora, abre-se em mim um leque de infinitas possibilidades.
E o que era medo torna-se coragem e alegria.
De nada, de tudo, de todo o mundo.
Obrigada por vir até ali comigo, por aceitar antes de mim que o fim é mais do que preciso.
Se me liberta agora, rompe-se o lacre do invisível recomeço.
E o que era pouco torna-se o muito de agora.
De nada, de tudo, de todo o fundo
Obrigada por me impedir de estacionar, por me impulsionar, por fechar a porta atrás de mim.
Se me solta agora, torna-se cúmplice de um novo ciclo.
E o que era mentira torna-se  luz e vida.
De nada, de tudo, estou para o mundo.