sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A SOMBRA DA JUVENTUDE



Para onde foi a minha juventude? Pergunta a velha senhora olhando-se no espelho. Mas o reflexo é mentiroso e não lhe revela de fato a verdade. Somente devolve os traços físicos de um ponto de vista mecânico, sem essência e sem poesia.
Então, a doce velhinha gira em sua cadeira de rodas com a agilidade que a idade lhe permite. De repente, tem uma ideia; na verdade, uma lembrança alegre da infância. Brincar de sombras! Brincar com elas ao invés de acumulá-las no seu coração. Desliga a luz, deixando somente o abajur aceso. E põe-se a brincar com as mãos, com a luz, com a sombra, com a alma. E lá está ela: uma linda bailarina, aquilo que sempre foi: leve e sábia conhecedora de todos os passos importantes na vida. Na sombra esquecida pelos holofotes do cotidiano, está a sua real imagem: mais do que mil palavras, sua alma revelada em sonho, poesia e promessa.
Aquela menina bailarina permanece viva, feliz, sorrindo a cada compasso da vida. Se o corpo envelhece e se curva ao Senhor Tempo, a alma continua em um constante desabrochar, revelando a cada instante uma nova pétala colorida, cheia de viço e frescor.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A VIDA E SUA MÚSICA


Houve um tempo que bastava existir. Não precisava justificar cada emoção com uma razão.  Não sentíamos a vida correr tão rápido. E de fundo, a trilha sonora da nossa vida. Muitas músicas desenrolando os acontecimentos ora marcantes ora maçantes. E nesse tempo perdido entre os séculos, fiz minha coleção musical na intenção de mostrar minha alma quando dela me afugentasse.
Entre os vários compassos que compartilhamos em silêncio, em total ignorância um do outro, as pausas revelaram-se longas demais. Os acordes foram mais dissonantes por causa de dúvidas juvenis. A leitura das partituras se tornou falha porque passei a duvidar da possibilidade do encontro. Os mundos não se cruzavam e as nossas vidas não se alcançavam. Na tentativa de mais uma história feliz, muitas melodias foram arquivadas. O sótão está cheio dessas notas penduradas em memórias que não nos pertencem. O senhor do tempo foi mais longe.
Cada música marca assim uma década, um determinado ano que vivemos em lados diferentes, mas em geração única. Somos contemporâneos quase vizinhos. Mas como diz a música Flor de Lis, o destino não quis e o meu jardim da vida ressecou ou morreu.
Guardo com carinho todas as canções, todas as baladinhas ingênuas e todos os grandes sucessos como homenagem a nós mesmos. Nós que vivemos pouco um do outro, que perdemos a chance de um encontro no meio do caminho, que nos livramos dos males um do outro, que nos fixamos em portos diferentes, que acendemos lareiras em acampamentos distantes. Nós que perdemos as músicas, que não soubemos de onde o som vinha e por isso nos queixamos do barulho. Amamos as músicas, mas as perdemos juntos.

domingo, 11 de dezembro de 2011

BREVE ENSAIO SOBRE A PAIXÃO PLATÔNICA


Bastaram os primeiros acordes de uma velha canção para levantar o véu das lembranças. Era um capítulo esquecido, abandonado à própria sorte, condenado à inanição e escravizado pelo tempo. Metodicamente dobrado em mil partes para caber em uma gavetinha lá no alto, longe de mãozinhas curiosas.

Quem já não teve uma paixão platônica? Dessas que nos fazem corar sem qualquer aviso? Dessas que deixam incrédulos os mais românticos cidadãos?

A minha, talvez única, foi coisa dos anos 80. Por isso, a música despertou sua lembrança. Falo de um tempo em que não havia internet, essas facilidades de e-mails explicativos e mensagens instântaneas. Um tempo de demora nas respostas, de ausências mais sentidas e de cartas. Sim, cartas. Ah, nunca tinha me visto assim tão donzela do século XIX, tropeçando na saia do meu vestido e me abanando com uma carta manuscrita. Isso, letra cursiva sobre papel, não na tela do computador.

Tudo começou com uma foto vista pelo meu... aham....sei lá. Não nos encaixamos em nenhuma definição de relacionamento. Nem amigo, nem namorado, nem amante, nem inimigo. Ah, será então meu querido desconhecido.

Quando meu querido desconhecido viu minha foto 3x4, preto e branco, com 12 anos, caiu na besteira de elogiar minha imagem. E se as notícias não voavam naquela época, pelo menos correram o mais rápido possível e chegaram a mim. E eu o convidei para minha festa de aniversário de 13 anos, com um convite de tema quase infantil. Esperei, ele não veio... os amores platônicos nunca vêm. Isso é um fato.

Trocamos pouquíssimas cartas. Quer dizer, pouquíssimas da parte dele e um lote maior da minha. Isso se repetiu em outros relacionamentos, ou ensaios de relacionamentos o que me tornou uma pessoa que não espera correspondência ou troca de mensagens. Eu escrevo, mando e-mail, se houver resposta, oba, se não houver, acho normal. Pode ter sido chato, mas agora me livra do peso da expectativa.

Pois, os anos se passaram e não obtive mais rastro algum do meu querido desconhecido. Às vezes bate uma brisa de nostalgia, de saudade de uma inocência que não me acompanhou... às vezes, me pergunto se algum dia, em algum lugar, em alguma circunstância nos encontraremos, nos olharemos e caíremos na risada, numa estrondosa gargalhada de tão ridícula a nossa não-história. E escreveremos juntos um parágrafo de encerramento, que não seja “felizes para sempre”, mas "eternamente ligados pela impossibilidade do tempo e do espaço". Finalizaremos com um beijo, casto, claro. E seremos felizes, sim, cada um pro seu lado, reescrevendo sua própria vida.

sábado, 3 de dezembro de 2011

QUANDO A LOUCURA PEGA PESADO

Eu nunca a conheci muito bem. Agora, penso que isso foi uma benção! Um comentário banal, curioso, sem peso algum, deflagrou na criatura o monstro. Claro, eu não estava pronta para me defender. Ninguém nunca está, de fato.
Minha defesa foi a coerência, o esclarecimento do que era a minha verdade. Mais pedras caíram no meu telhado e ele não é de vidro, é de cristal. Da próxima vez, será de diamante, o mais duro e resistente que houver. Mas este delicado teto se estilhaçou e quase me atingiu. Dizer que entende meus problemas foi imbecil. A referência a um acontecimento trágico passado foi uma insinuação de erva daninha. E ela entende, mas se diz  não responsável pelos meus problemas. Ai, que alívio!
O que a gente faz com uma pessoa assim? Um lado meu já está escolhendo o melhor camarote para apreciar a derrocada da "amiga". Outro lado, aquele que acenou com a bandeira branca, prefere deixar pra lá e rezar por essa alma destroçada pelos surtos psicóticos que decerto pipocam naquela mente insana. Raiva? Claro, mas passa. E depois vem a pena. O tempo sempre se encarrega de varrer qualquer vestígio de ressentimento (e não para debaixo do tapete!). Sendo bem clichê, minha vingança é ser feliz.
Paz! (Aprendendo com uma amiga zen)