quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A RESPOSTA PODE ESTAR NAS NUVENS

Maria olhou para o céu. Quase limpo, quase liso. Algumas nuvens espalhadas pelo vento manso da tarde. Reclamou algo baixinho enquanto desviava de mais um buraco na calçada.
A irritação misturava-se a uma espécie de tédio que nela se instalava mais do que o necessário. Estava com boa saúde, seu pé esquerdo já não doía tanto e tudo parecia bem. No entanto, uma certa prostração caminhava em sua direção e por mais que ela acendesse o sinal de alerta, não conseguia espantar o pesar da angústia.
Decerto, algum distúrbio hormonal estava acontecendo em seu organismo. Contou os dias do seu ciclo e até o número se encaixava numa possível TPM. Maria ainda retrucou - Nunca fui disso! Se não era isso, o que seria?
Olhou novamente para o céu. Os pequenos montes brancos começavam a se avolumar com velocidade. Iria chover? Iria trovejar? Iria cair uma tempestade daquelas? Não, não parecia haver uma ameaça imediata.
Quando pequena, Maria descobriu que seu humor reagia dramaticamente à aproximação de uma tempestade. Ficava irritada, nervosa, apreensiva e quando os primeiros pingos de chuva batiam no chão, tudo se acalmava. Era como se toda a eletricidade contida no céu se espalhasse na sua mente e corpo. Sou um radar de chuva, brincava.
Pela terceira vez, olhou para o céu e desta vez, quase tropeçou no cachorro do vizinho. Nuvens fofas espalhando-se como dançando uma valsa. Sem explicações para os seus instintos à flor da pele, Maria conformou-se: era tudo bobagem ou a resposta poderia mesmo estar escondida entre as nuvens.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A ESTRANHA CONFIANÇA

Todo mundo diz que devemos ser confiantes, seguros de nossos potenciais e graças. Mas será que todo mundo quer a nossa confiança de verdade?
Outro dia, durante uma conversa casual, uma amiga me disse que certa atitude minha demonstrava insegurança. Eu estava contando sobre minha atrapalhada exposição deste blog. Imediatamente, rebati: não é insegurança, é cabotismo mesmo.
Não sou a maior escritora do mundo, mas sei que escrevo bem. Tem coisas assim na vida: você sabe que faz bem. Não precisam falar nada, você simplesmente sabe. Tem dia em que escrevo melhor e dia  em que escrevo textos medíocres, mas é minha mediocridade querida.
Provavelmente, choquei minha amiga com minha afirmação. Eu não estava pedindo aplausos, embora não tenha nada contra eles.
Por essas e outras é que penso ser melhor guardar certas conclusões para mim mesma. O mundo não está preparado para tanto ego. 

domingo, 18 de setembro de 2011

O VELUDO E O COTIDIANO

Um rasgo no sofá. Assim, de repente, ele aparece com o seu ar de denúncia. Não estava ali e agora se faz presente, largo e folgado na sua indelicadeza. Tudo bem, o sofá não é novo, não é feito de couro legítimo, mas resistia ao tempo.
Enquanto os dias passam e arrastam consigo o esplendor da relva e glória da novidade, percebemos que algumas fissuras e rachaduras aparecem pelos cantos. Se for bem no meio do teto, o dia a dia pode desabar nas nossas cabeças. É fato e não é nada bonito.
Onde está o aconchego dos dias frescos de primavera? O veludo das noites celebradas? A maciez da gentileza dos primeiros contatos? A fluidez das palavras iniciais que se acomodavam entre as pregas de um tecido nobre? A trama esgarçou? O drama pesou? O dinheiro acabou?
O rasgo multiplica-se rapidamente se não tomamos o cuidado de restaurar o primeiro estrago. E a espuma embolorada salta para fora acusando o descaso. Como remendar, reformar, transformar o que já foi firme e macio em algo que ainda nos conforte e segure nosso corpo e alma? Ou devemos simplesmente aceitar o rasgo como uma cicatriz a mais na existência, que é bela, mas não é indestrutível?
Não podemos nos livrar do cotidiano, nem evitar seus momentos mais pesados. Mas podemos cuidar do veludo que o reveste, limpando-o quando necessário e com a delicadeza de restaurador de relíquias. 
Cubra-se com o seu melhor veludo e sorria. Porque não sabemos quanto tempo temos antes do próximo rasgo.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A CARTA

Vi você chegar
Dia sim, dia não
Vi suas mãos de perto
O mundo mudando de cor
Acreditei na magia
E não percebi a cilada doce e fatal
Dia sim
Dia não
Seus olhos mais distantes
Mãos vazias
Eu tive de rir muitas vezes
Ri de mim
de você
do silêncio entre os beijos
Já era hora de dizer adeus
E eu disse
Você é que talvez...
... não ouviu.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

LUCY IN THE SKY WITH POETRY


Era uma vez uma professora que decidiu que os seus alunos deveriam, sim, sonhar acordados. Ela desejava que os adolescentes admirassem os poetas como estrelas não tão distantes, mas muito mais brilhantes. Não sei de todos os detalhes envolvidos, mas Lúcia conseguiu um céu estrelado onde só havia o previsível.


Com a ajuda dos seus alunos, colou estrelas de vários tamanhos no teto da sala de aula. Para que as estrelas não se sentissem sozinhas ou inúteis, buscou os versos e pensamentos com elas relacionados. Ficou lindo! As estrelas representavam sonhos e, quem sabe, como dizia Guimarães Rosa, pessoas que ficaram encantadas.

O teto já não era mais um teto, era uma constelação. Imagino que a participação dos jovens deve ter sido aquele misto de caos e contentamento do qual só os chamados inexperientes são capazes. Consigo imaginar a professora voltar seus belos olhos azuis para o céu criado e suspirar feliz.

E do caos das palavras multiplicadas em versos, surgiu o silêncio do encantamento pela obra realizada. Só então, assim como no espanto de Olavo Bilac, ouviram-se estrelas.


LUA EXTINTA

Continuo procurando  pela lua, pelo mistério materno. Já nem sei se quero encontrar suas marcas em minha vida, embora sinta os contrastes da magia em minha própria carne.
Se amanhecer rápido demais, terei os olhos ainda mais despertos. Há multidões de sonhos à minha espera. Aguardarei tua volta até a próxima esquina, depois já terei ido embora. Talvez me encontre em outra rua brincando de amarelinha. Não ria, então. Sou ainda uma menina com sonhos adolescentes e medos infantis. Mesmo que o meu corpo denuncie maturidade de mãe, sou ainda uma menina que prefere rir a chorar, brincar a perder. Por isso, é muito fácil para mim perder o que mais quero. Por isso mesmo, é fácil demais perder a mim mesma.
Eu não estou dizendo adeus. Nem mesmo até logo. Basta de promessas. É muito mais do que isto. Ficarei por perto observando e quando me cansar, tentarei a distância.
Não há surpresa em parte alguma. Não peço bis nem aplausos. Peço uma lua cheia. Uma lua que me devolva a fecundidade de ideias e sentimentos. Uma lua que reflita minha imagem de menina.