domingo, 18 de setembro de 2011

O VELUDO E O COTIDIANO

Um rasgo no sofá. Assim, de repente, ele aparece com o seu ar de denúncia. Não estava ali e agora se faz presente, largo e folgado na sua indelicadeza. Tudo bem, o sofá não é novo, não é feito de couro legítimo, mas resistia ao tempo.
Enquanto os dias passam e arrastam consigo o esplendor da relva e glória da novidade, percebemos que algumas fissuras e rachaduras aparecem pelos cantos. Se for bem no meio do teto, o dia a dia pode desabar nas nossas cabeças. É fato e não é nada bonito.
Onde está o aconchego dos dias frescos de primavera? O veludo das noites celebradas? A maciez da gentileza dos primeiros contatos? A fluidez das palavras iniciais que se acomodavam entre as pregas de um tecido nobre? A trama esgarçou? O drama pesou? O dinheiro acabou?
O rasgo multiplica-se rapidamente se não tomamos o cuidado de restaurar o primeiro estrago. E a espuma embolorada salta para fora acusando o descaso. Como remendar, reformar, transformar o que já foi firme e macio em algo que ainda nos conforte e segure nosso corpo e alma? Ou devemos simplesmente aceitar o rasgo como uma cicatriz a mais na existência, que é bela, mas não é indestrutível?
Não podemos nos livrar do cotidiano, nem evitar seus momentos mais pesados. Mas podemos cuidar do veludo que o reveste, limpando-o quando necessário e com a delicadeza de restaurador de relíquias. 
Cubra-se com o seu melhor veludo e sorria. Porque não sabemos quanto tempo temos antes do próximo rasgo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pois é, as pessoas esperam o sofá se desmanchar, depois não tem mais jeito...

Ana Silva disse...

Minha mãe sempre dizia "quem não se enfeita se rejeita"..Temos que estar sempre alertas!

Lúcia Carvalho disse...

As vezes o rasgo começa num cantinho difícil de perceber, as visitas nem percebem, e a gente vai tentando remendar, coloca uma manta para disfarçar, até q não dá mais para esconder. Aí vem a decisão mais difícil, jogar o sofá fora ou revestir?