segunda-feira, 30 de setembro de 2013

DESATENÇÃO

Nem mesmo o sol era o centro do universo. Tantas estrelas, cometas, planetas e aquela poeira sideral ali espalhada em possibilidades. Por que então teria o monopólio da atenção? Vertigem de querer mais, desejar demais, encontrar sustentação para um talento qualquer. Domínio impróprio do olhar que nem lhe direcionado era. Tolice de menina, já dizia o outro alguém lá palpitando. 
Um ou outro comentário causavam empolgação. De fato, totalmente esquecida não era. Mas de tanto fazer pingar tempo e sentimento, seu espaço lhe pareceu inadequado e pouco. Queria mais do distante ofertado. 
Erraria de novo, com certeza. Já que previsões de tempestades já começavam a ser surgir. Leiam meu destino, pedia àquelas mulheres de olhos oblíquos. Intercedam por mim, suplicava aos santos que lhe velavam em transe de ausência. No silêncio, adormecia, escondida e assustada com essa coisa de nada mais ser. Misturada a tantas outras lembranças, por quanto tempo duraria aquela história tão curta e rasa? 
Como uma criança, teimava em se fazer ver. Não nascera para simplesmente no canto amontoar vontades. Entendia a vantagem da discrição, mas não conseguia se deixar invisível em cordas de cristal. Para que destino estavam sendo traçadas aquelas linhas na palma da sua mão?
Quieta, mas com os pés quase a sapatear. Silenciosa, mas querendo assobiar. Como um moleque, queria se sujar de terra, talvez barro, em lama ser reduzida. Quem sabe maculada, a história não se repetiria tão insossa? 
Em vão, tentou reter sensações e emoções. Um sorriso escapou pelas frestas daquele olhar aguardado. Aos poucos, prestariam atenção. Em um compasso da canção, uma pausa abriria espaço para um acorde novo. Então, acordariam, sem preguiça para olhar seu mundo. Direto e fundo, como se nada pudesse mais existir sem ela.
 

sábado, 21 de setembro de 2013

AO PRIMEIRO SINAL

Assuma agora que as coisas estão calmas. Vê lá, o mar mal se agita. Ondas  se escondem na profundeza sem fim. É a hora de assentar, de recolher armas e conchas. 
Não perca seu tempo tentando apagar essa mancha aí. Ela não sairá nem com toda reza brava que puder arrancar do seu peito. Só não lhe dê importância porque ela, de fato, não tem a mínima. Deixe-a aí corroendo a madeira passada e apodrecida a discutir mágoas com as algas daninhas.
Posso contar com você agora? Não para me fazer contente, muito menos feliz. Só para cobrir o esquecimento que vem logo depois daquele horizonte. Não preciso de muitas palavras. O seu silêncio já me basta. Dele reconheço o tagarelar da mente, cheia de novas ideias, de novos projetos, de novas felicidades.
Pise na areia e não se preocupe com as pegadas. Elas não permanecerão nem o suficiente. Não o culpo se não puder ficar. Eu sei que é quente e pegajoso  o momento de transição. Tão pouco espero que reaja com bravura ao menor sinal de perigo. Basta que me olhe e sinta o que ainda nem posso dizer.
Não o culparei ser for embora, nem cobrirei seu nome de ameaças. Só quero que assuma o que agora leva o seu timbre. Depois, a gente programa outra vida. 
Ah, eu sei, claro que sei. Não o conheço. Não me conhece. É uma espécie de lenda que nunca chega. Não abraça, não sustenta o diálogo no presente. É personagem do futuro, indecisão de um escritor temperamental. Por isso quero tanto que tome posse do seu papel, que atue como nenhum outro o fez. De verdade, de alma e em doses corporais. 
Eu sei que é pedir muito a um estranho, que nem sequer conheço nome ou rosto. De repente, nem existe. É, eu sei. No sonho, também não pretendia ficar. Será que sonhei mesmo? Ah, deixa pra lá, vamos limpar a areia dos pés e absorver a maresia da expectativa. 
Olha o mar, ainda ali, calmo, infinito em água e futuro. Não é lindo? É todo nosso, sal, areia, em verde esperança. É o começo do que ainda se revelará. Vem, assuma antes que eu me afogue, antes que me falte ar e sonho. Seja esse todo, esse mar em amar. 

sábado, 14 de setembro de 2013

PIOR DE TRÊS


Acostumada que estava a não dar acolhida para mágoa ou rancor, lamentou não poder apressar o tempo. Como todos, ela queria a facilidade do esquecimento e a leveza de não se ferir. Para se deixar vazia de negativos, precisava das horas generosas. Ali,  permanecia sentada, rendada em flores, atenta às mortes que nela aconteciam. Assim tinha de ser. Reviver para enfim esquecer. 
Não era fácil ser pétala onde se esperaria espinho. Ser indiferente não era uma opção. Conhecia todas as consequências porque já trilhara aquele caminho. Algumas vezes, sozinha, acompanhada, a pé, de coração. O acúmulo de tais sucedidos, tão mal embaralhados,  é que lhe fincava o brutal momento na memória. Como reaver os pássaros do seu tão explorado otimismo?
Deixara o primeiro de todos ser banido pela sua convicção de felicidade. Um erro, uma experiência, lições tomadas e aprendidas. O segundo, ela tentou soltar mas era escorregadio demais para ser expulso de vez. Assim, fez morada em fantasias e demarcou área de aproveitamento emocional na sua vida. Levou meses, cruzes, pesares e, por fim, todos os amores prometidos. Foi-se de vez. Ela, então, sentiu-se forte, de sorriso renovado e boa vontade estendida. Fôlego de escalar montanhas, coragem de desbravadora de intenções alheias, atenção de quem dorme para sonhar. Claro que se perdeu de novo, sem bússola, sem água, sem provisões. 
Quando pensou ali encontrar abrigo e paz, o tecido do sonho começou a esgarçar rapidamente. Estava no mato, na selva, cercada por feras e perigos sequer imaginados. Mas ela ali queria ficar, confiar, superar. Não importava que a batalha não fosse dela, já estava se pintando para a guerra inteira. As mãos cheias de urucum, pronta para mais uma camada de ousada sintonia. Sua alma embebida em cores que nela se faziam invisíveis. 
Não houve batalha. Pelo menos não para ela. Escolhesse outra selva, outro território que não fosse aquele. Porque ali já não havia espaço para suas asas e sonhos. Ela recolheu o melhor de si  já ofertado em altar pagão. Nem lua, nem sol. O solo brilhava em pequenas conchas espalhadas, estrelas que não lhe poupavam os pés. 
Teceu despedida como quem já se esqueceu da mortalha. Enfiou os dedos na areia para ter certeza de que reconheceria para sempre o desagrado e dele não mais provaria. Lançada a flecha, em três já partida, o silêncio rompeu-se em abandono. Dali não se revelaria a culpa, nem mesmo a dúvida. Na conta que se desfez, o melhor dos três nunca existiu. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

DEIXAR IR


Cortou nomes, descartou fotos, anulou cheiros e gostos. Empurrou mesa, cadeiras, dias e noites para o canto mais distante. Se houvesse sótão, ali estariam guardadas lembranças e cicatrizes. 
O piso continuava riscado e sujo. Estrelas não deram conta de iluminar tudo. Era chão, devia ser mesmo assim: encontro com o real e a nua revelação. Algumas pegadas permaneciam visíveis pelo corredor. Logo a água dos acontecimentos tratariam de apagá-las, lavá-las sem nada argumentar. Alguma poeira a provocar tosse e arrependimento. Havia muito a fazer. Varrer ilusões, ocultar os cadáveres e mazelas do dia, era tudo o que ela queria. 
A impaciência ordenava mais rapidez e menos tolerância. Já devia estar tudo acabado mesmo antes de anunciada a primeira palavra. Que tivesse engolido as sílabas para que não mais houvesse dúvidas. 
Arranhar as paredes não traria alívio algum. Então, esfregou pele e fúria nos vãos e senãos. Ferida, exausta, em brasa, aquietou-se junto ao vazio que lhe convidava para uma última valsa. Rodopiaria sem compassos desperdiçados pela sala, pelos quartos, até cair tonta. Não mais sonharia assim, mas também não fecharia todas as portas e esperanças. Havia algo ali a ser explorado, arejado talvez. 
Abriu as janelas. A luz violou dor e ressentimento. Seus olhos acostumaram-se logo com a multidão de cores. Sentiu o vento entrar e colher cada uma das suas lágrimas. Até aquelas que não havia derramado. Era tão tarde para receber visitas. Era cedo demais para deixar de convidar sorrisos. 
Deixou ir vento e lembrança. Todas as expectativas de um distante momento. Libertou a si mesma. Sem amarras, foi a primeira a cantar. 

CORRENTEZA



Não sentiu quando começou. Nem ao menos percebeu o movimento sob os seus pés. Pressentira talvez, mas não tinha como voltar atrás. O caminho estava feito, a trilha traçada em seu destino. Quando o tremor surgiu, causou espanto mais do que medo. As rachaduras ganharam extensão, se puseram ao largo com poderes de um vulcão há muito silenciado.
Ela não teve onde se apoiar, se agarrar ou mesmo argumentar. O melhor de tudo está para começar, dizia a canção ao fundo. Se aquilo era o melhor, que venha logo o apocalipse, pensou. 
Diante dos pequenos abismos que se formavam em seu coração, ela pulou com coragem e esperança. Esperava sim que não tivesse sido tudo em vão. Que ali tivesse plantado algo que superaria o tempo. Nem que fosse só mais uma razão para não ter que pedir perdão. 
Do fundo, veio a água borbulhante. Presa no útero do mundo, tudo invadia agora. Transbordava sentimentos e nenhum obstáculo temia. Contornava cada um tal serpente, rente em noite ausente. Esfolava pele e bondade em cada canto e quina aguda daquele gente. 
Era tanta água que, ela pequena em coerência, deixou-se levar. Não poderia se afogar, já que aprendera a nadar. Nem isso fazia agora. Preferia entregar-se nos braços daquele mar. Boiar e à tona retornar. 
De repente, o riso lhe tomou a boca e a cintura, convidando para a dança. Era muito mar, nem tanto amar. Venha, sereia e estrela, que o teu lugar é em outro aguardar. As notas misturaram-se com as gotas e o sal. A pele arranhada e cansada, abriu-se em feridas que só mesmo o tempo haveria de curar. 
Decidida e sem lágrimas, ela se pôs a pensar. Que correnteza era aquela a lhe tragar? Que dimensão mais estúpida essa de não se contentar jamais? Então, água e sal serenaram. Nem ondas, nem maremotos. O silêncio dela fez ninho e paz. Sem roupas, sem máscaras, em um desapegado adeus. E aquela certeza, sem tristeza, de um dia recomeçar. 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

AMANHECER

Deito minha cabeça no teu peito para escutar além do amar. As ondas invadem a madrugada chocando-se contra a ausência de tempo. Nossas horas se vão, uma a uma, emprestadas às saudades. 
Termina o prazo, aumentam as dobras nos lençóis. Há espaço demais entre os travesseiros. Silêncio para não acordar as lembranças recém tecidas. Hora de levantar, de deixar ir. 
Não podes ver, mas sacudo os pensamentos até que a tontura embaralhe ordem e senso. Te prendo em meus sonhos para te soltar na vida. Faz sentido para mim. Libertar me dá o mesmo prazer que dedilhar pele e alma. 
Meus passos amanhecem lentos e indecisos. Sem direção certa, sem projeções ou sombras. Acompanho de perto, eu gravo gestos, recolho palavras. Para não me esquecer desta parte que se vai de mim. Nem desconfias o quanto me arrasta contigo. 
Entre um gole e outro, esfrio desejo e pressa. Café, leite e sorriso, oferecidos. Beijo, abraço e algo mais que vou deixando levar. 
O dia começa pelo avesso. E no verso, já me antevejo.

domingo, 8 de setembro de 2013

LIGA


Vontade de ligar traços, pontos e estrelas. Liga. Perde o número dos toques. Suspira e deixa a calma sair pela porta. Há todo o tipo de nó prendendo o desejo à cadeira do esperar. 
De saudades, tece todo um manto para a noite que se aproxima. Reconta os pontos, aperta a linha, suspende um suspiro. Suas mãos tremem com a ausência das dele. Deslizam no vazio desejando pele e acolhimento. 
Recolhe inúmeras estrelas na imaginação. Pede e espera ser ouvida. Como se o tempo fosse encolher a qualquer momento. De repente se pega sorrindo. Fecha os olhos, como qualquer naufraga e sente o seu cheiro. Seus sentidos alertas cravam punhal no tronco da árvore do desejo. Desenham suas iniciais, esculpem seu rosto para que nada mais se perca em lágrimas. 
Se ela pudesse, faria as horas correrem. Elas ainda grudam como folhas, lembretes dos beijos e promessas subentendidos no olhar. Sem explicação, sem lógica alguma. O caminho iniciado meio por acaso, tropeçando em medos e cortes. Há mais, muito mais força nela do que um só olhar pode perceber. A delicadeza não teme craquelar. A gentileza não perece por ansiedade. 
Mais alguns passos adiante. O zumbido aumenta, é o pulsar das veias nas têmporas, sangue recuando, poupando-se para o que virá. Ela apenas sabe, balança a cabeça espalhando cabelo e pensamento. 
Conta os dias nos dedos. Sorri para o espelho, riscando pressa e tormenta. Toca vidro, desliza pele no mármore gelado e aguarda. Nada mais a temer. Nada mais a guardar . Dentro dela, toda a força que, felina, invade a noite sem se importar se há lua ou não. 


terça-feira, 3 de setembro de 2013

SE EU PUDESSE ENTRAR...


Vejo as horas acumuladas no canto do dia que há muito se tornou noite. Começam a juntar poeira, suspeito que seja poeira de estrelas. Dos sonhos embrulhados em muitos papéis que revivi. 
Tenho reação alérgica ao tédio das outras semanas, dos meses camuflados no esquecimento. Espirro. Alto o bastante para despertar fantasias e possibilidades. Visto-me de luz como se nada mais existisse na escuridão. Será que posso? 
Encosto corpo e mente na parede fria para fazer a febre baixar. Grau por grau como grãos do que não se pode deter em mim. Depois de derreter argumentos e tudo transformar em lava, reservo o concreto para o amanhã. Não tenho pressa ou medo. O calor me mantém confortável e sonolenta. Entregue, quase sem ação.
Olho para o caminho à frente, o portal que se abre lentamente diante das minhas expectativas. Não tenho como evitá-las, só atenuo sua força sobre mim, vestindo a capa do bom senso. 
O vento parece me empurrar avante chicoteando cabelos e passos. Eu vejo tudo acontecer, pressinto o que ainda está por vi e paraliso. Diante do tudo que experimento por antecedência, me privo. Sucumbo ao sussurro do improvável. Hora de seguir. Hora de se deixar ir. Ah, se eu pudesse entrar...