sexta-feira, 13 de setembro de 2013

CORRENTEZA



Não sentiu quando começou. Nem ao menos percebeu o movimento sob os seus pés. Pressentira talvez, mas não tinha como voltar atrás. O caminho estava feito, a trilha traçada em seu destino. Quando o tremor surgiu, causou espanto mais do que medo. As rachaduras ganharam extensão, se puseram ao largo com poderes de um vulcão há muito silenciado.
Ela não teve onde se apoiar, se agarrar ou mesmo argumentar. O melhor de tudo está para começar, dizia a canção ao fundo. Se aquilo era o melhor, que venha logo o apocalipse, pensou. 
Diante dos pequenos abismos que se formavam em seu coração, ela pulou com coragem e esperança. Esperava sim que não tivesse sido tudo em vão. Que ali tivesse plantado algo que superaria o tempo. Nem que fosse só mais uma razão para não ter que pedir perdão. 
Do fundo, veio a água borbulhante. Presa no útero do mundo, tudo invadia agora. Transbordava sentimentos e nenhum obstáculo temia. Contornava cada um tal serpente, rente em noite ausente. Esfolava pele e bondade em cada canto e quina aguda daquele gente. 
Era tanta água que, ela pequena em coerência, deixou-se levar. Não poderia se afogar, já que aprendera a nadar. Nem isso fazia agora. Preferia entregar-se nos braços daquele mar. Boiar e à tona retornar. 
De repente, o riso lhe tomou a boca e a cintura, convidando para a dança. Era muito mar, nem tanto amar. Venha, sereia e estrela, que o teu lugar é em outro aguardar. As notas misturaram-se com as gotas e o sal. A pele arranhada e cansada, abriu-se em feridas que só mesmo o tempo haveria de curar. 
Decidida e sem lágrimas, ela se pôs a pensar. Que correnteza era aquela a lhe tragar? Que dimensão mais estúpida essa de não se contentar jamais? Então, água e sal serenaram. Nem ondas, nem maremotos. O silêncio dela fez ninho e paz. Sem roupas, sem máscaras, em um desapegado adeus. E aquela certeza, sem tristeza, de um dia recomeçar. 

Um comentário:

Ana Silva disse...

Vc está cada vez melhor!