sábado, 28 de julho de 2012

OUTRAS INTENÇÕES E OPÇÕES


Há coisas que jamais deveriam ser descobertas. Deveriam permanecer camufladas na ignorância. Ou simplesmente desaparecer no caos absoluto da inocência.
Esperar que tudo se ajeite, que as palavras surjam em harmonia e derramem sabedoria não só é inútil como talvez cruel. O mais alto grau de crueldade: aquela dirigida a nós mesmos. Como lança cega, que vai ferir, mas mais lentamente. E quem precisa de lentidão para sofrer? Quem precisa de calma para absorver as punhaladas?
De boas intenções, meu mundo está cheio. Repleto até o teto das ilusões. Posso até rir das segundas intenções, envaidecida com as propostas mais indecorosas e completá-las com o descaso de um sorriso. Vou, assim, colecionando essas borboletas tão fugazes e quando ameaçam perder cor e brilho, eu as liberto. Para o mundo, sem maiores intenções.
Intenções esbarram nas opções. E estas podem ser tantas. Podem colorir um arco-iris inteiro ou manchar o sol com sombras. Elas podem ser minhas ou suas. Podem ser as melhores e também as piores. Você pode aceitá-las ou não. Às vezes, você é a opção. Às vezes, não.
Tenho sempre a intenção de ser a primeira opção. Modéstia nenhuma me impede de subir ao pódio da preferência. Segundos lugares não me interessam. Competir não é meu esporte favorito. Quando não sou a primeira opção, eu me encho de milhares de intenções. Nenhuma boa. Desculpe, mas não tenho outra opção!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O PODER DA MÚSICA


Lys suspirou mais uma vez. Talvez pela décima quarta vez naquela manhã. Depois, mais um clique. E outro. E mais outro. Repetidas vezes, até a música se movimentar sozinha pelo quarto. Então,  ela pôde deixar as emoções encontrarem os compassos certos e, como pares, dançarem a sua volta.
A repetição era só uma formalidade, pois a melodia agora já fazia parte das suas células. Embriaguez musical. Hoje era romântica e fazia vibrar suas memórias mais delicadas. Outro dia, era o rock que a mantinha alegre e um tanto elétrica. Suportar tantas pausas na vida só parecia ser possível quando ela mergulhava na música.
Ainda achava que todos os momentos de sua vida possuíam uma trilha sonora especial. Escolhia com cuidado para não se debater em nenhum compasso dissonante. No entanto, não podia mais negar, era extremamente volúvel quando contaminada por uma harmonia distante. Não podia evitar. Era a magia que dominava seus pensamentos e os fazia transbordar em sentimentos cada vez mais potentes.
De vez em quando, desaguava em decepção, fúria ou simplesmente esquecimento. Ritmos mais contundentes já haviam sido ignorados com o tempo.
Mas aquele momento era especial, porque ela o estava compondo nota por nota, desafiando as claves da razão e vencendo seus próprios medos. Não sabia até que ponto aquela era obra sua ou do tal destino. Tinha receio de desfazer a incrível melodia se raciocinasse demais. Uma hora isso aconteceria. Mas não agora. Não, não agora, por favor. Naquele momento, ela precisava de todas as notas, de todos os acordes espalhados pelo seu corpo, de todas as desculpas possíveis para um conserto incerto e vibrante.
Clicou mais uma vez e a música recomeçou. Sorriu a reconhecer os primeiros acordes. Era ela. Era dela. Por um compasso ou dois. Até que a melodia cessasse. Ou não.




quarta-feira, 25 de julho de 2012

A EXPECTATIVA


Os minutos grudando no tic tac do relógio invisível da alma. Os olhos alertas esperando enxergar um sinal qualquer. Sentidos todos aguçados, acuados na espera. Ela compreendia mais do que poderia confessar e muito mais do que gostaria de alcançar. Porque saber também assusta. Porque quem sabe já antecipa o próximo passo e este nem sempre é seguro. O próximo passo pode ser aquele que nos faz despencar no precipício. Ela já sabia disso.
Sim, adoraria ser uma dessas pessoas calmas, com talento para a contemplação da vida. Ela não era assim. Tinha a pressa dos acontecimentos que se desenvolviam sem a sua permissão. Tudo corria nela, por ela, através dela. Todos os desejos, os anseios, os medos e até os festejos.
Era tudo de repente um outro nome. Um nome que mantinha em segredo, tatuado no fundo de um sonho. Abria o leque para esconder o que não sabia se ainda queria ver. Já podia sentir os limites das bordas e elas possuíam algo de escorregadio. Se fosse rápido demais cortaria o fio que a ligava a ... a quem? Não, não podia dizer tão cedo assim. Não antes do destino parar de ameaçar não estrear. Talvez, naquela noite. Talvez, um dia mais adiante. Talvez mais tarde. Que não fosse tarde demais para que os seus sonhos não envelhecessem.
Enquanto isso, tudo se mantinha em um ritmo estranho a ela. Quase paralisado. Quase anestesiado. Quase ... mas não! A vida corria e a atropelava com tantos impulsos. E ela dançava. Sorria e rodopiava feliz por poder esperar, por ter o que esperar... E esperaria, cruzando os dedos. Esperaria. Por ele.



sexta-feira, 20 de julho de 2012

TUDO DEMAIS


Tive muito tempo
Tempo demais para pensar
E o meu tempo é menor do que você pensa
Porque o meu tempo segue o compasso do coração
e possui a velocidade do sangue nas veias
Tive muito espaço
Espaço demais para fugir
E o meu espaço é o infinito
Porque a liberdade já se acomodou em mim
e reduziu o medo a pequenos pedaços
Tive muitos desejos
Desejos demais para sentir
E o meu desejar é precioso demais para desperdiçar
Porque o meu desejo segue a direção do além mar
e possui o destino da paixão

quinta-feira, 19 de julho de 2012

MUDANÇA DE PLANOS


É o seguinte: cansei! Larguei a mochila no chão, rasguei os  cartões de embarque, me despedi dos planos. Foi muito bom por algum tempo, talvez tempo demais até mesmo para a minha consciência distraída.
Adorei escolher o roteiro da viagem, pesquisar sobre os pontos turísticos e sonhar com nossa trilha dos sonhos. O problema é esse: os sonhos ficaram vencidos, apodreceram de tantas esperas.
Agora, eu não espero. Se quiser, vá me buscar na estação, leve minhas malas. Sim, me ajudar a carregar minha bagagem é essencial neste ponto. Já tive malas mais pesadas,mas me desfiz de muita coisa pelo caminho. Então, você está com sorte por me encontrar mais leve. Mas atrasado. Ou estarei eu muito adiantada? Não sei, mas o cronograma não funcionou.
Confesso que a maior parte da culpa foi minha. Não o fracasso todo. Eu não deveria ter aceitado o seu convite, só pra começar. Bancar a mochileira agora? Caminhar, caminhar, sem rumo? Dormir nos albergues que me sugeria com um sorriso? Não, não daria certo nunca. Eu me cansaria de tudo muito rápido, me cansaria até de você. Nossa, é verdade! Eu cansei mesmo de você e o trem nem partiu.
Eu sinto muito se desfaço assim dos seus planos. Os mapas estão aqui, tome. Estão um tanto amassados, manchados com a minha impaciência. Talvez, eles ainda te ajudem. A mim, não. Sei que não.

domingo, 15 de julho de 2012

FÉRIAS


Ela queria sumir. Não de uma maneira definitiva ou quase morrer. Queria apenas apagar sua trilha no mundo para que pudesse recomeçar. Esquecer do seu personagem cotidiano e encontrar a sua ilha particular emocional. Levaria pouca coisa. Levaria um pouco de si para constar como bagagem. Porque não queria mesmo levar muito. Queria mesmo é encontrar. Muito. De tudo.
Sumiria em férias. Embarcaria no primeiro avião que a levasse dali, daquele solo sem acontecimentos. Permitiria uma pequena tripulação a bordo, mas a piloto seria ela, claro. Não tinha intenção alguma de ceder a direção a ninguém mais.
Aceitaria sugestões, mas não as levaria tão a sério. Férias são férias e não merecem tantos planos. Esqueceria alguns sobre a mesa, outros entre os lençóis e aqueles mais sórdidos no arquivo morto.
Ah, não tinha tempo para simulações. Ou era pra valer, ou não era nada. Tencionava não gastar todo o seu entusiasmo na mesma praia deserta. Precisava do movimento das emoções desfilando em sua direção.
Talvez não fosse mesmo sumir. Tiraria férias e mergulharia naquele rio tão tentador. Sentiria frio a princípio e depois se aqueceria com a própria coragem. Teria intenções estranhas, reprovaria decisões alheias e afogaria o tédio.
Do alto da cachoeira, gritaria um nome. Talvez dois. Tudo bem, três ou quatro, mas os últimos nunca seriam mesmo os primeiros. Pisaria nas pedras e escorregaria para cair nos braços certos. Que fossem fortes o suficiente para suportar o peso do seu desejo.
E quando as férias acabassem, ela sentiria falta do que tinha sido. Olharia as malas vazias de promessas. Tanto espaço e tempo para recomeçar. E quando precisasse, outras esperanças teria e quando delas se fartasse, outras férias viriam.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

MAIS DE TI


Vazio
No silêncio deslizo pelos pensamentos
Acelero com medo de não ter tempo para escapar
Nem perco o sono tentando impedir o destino
Há mais de ti em todo momento
Oculto
No domínio das expectativas finjo que esqueço
Desperto com certezas que me fogem de repente
Nem percebo o dom que me invade a mente
Há mais de ti em cada passo
Dúbio
No extermínio do medo padeço de esquecimento
Procuro o que não existe em mim ainda
Nem recebo o que mereço
Há mais de ti em toda volta
Súbito
No delírio de mais um rompante
Determino o que deveria ser e não foi
Nem pretendo que seja tudo perfeito
Há mais de ti em todo sonho

sexta-feira, 6 de julho de 2012

SERÁ?


Olhou para o relógio mais uma vez. Os ponteiros pareciam não se mover. Imaginou que o tempo parara e não se dera conta disso. Seria uma boa desculpa para como estava se sentindo naquele momento. No vazio, no vácuo, no vão dos acontecimentos. Impossível evitar  a frustração mesmo tentando lidar com o silêncio de maneira madura e ponderada.
Respirou fundo e pôs os fones no ouvido. Preferia lidar com a música do que com o silêncio. Parecia mais confortável, menos cortante. Começou a cantar acompanhando um compasso ou outro e, aos poucos, foi enchendo a mente de notas e acordes, substituindo uma possível revolta de sentimentos. A estratégia funcionava bem, desde que ela não se lembrasse daquele ponto. Ah, o ponto distante, a lua perdida no céu, imensa. Imaginou-se pratear-se, mergulhada no gelado que devia ser a emoção lunar.
Deixou-se arrastar por uma melodia mais melodramática e atingiu o fundo. Não tinha medo da profundeza, do escuro, das sombras que se jogavam contra as paredes. A lua estava ali, toda iluminada por um sol distante. Sem luz própria, sem destino certo, era toda composta de sonhos, pequenos fragmentos de esperança.
Vestida de nada, de coisa alguma o que era apropriado para o momento, ela se deixou ficar. Meio triste, meio fugaz, meio metade de tudo o que desejava. Nos olhos, o brilho de uma lágrima teimosa. O roteiro na sua imaginação era muito melhor do que aquele que lhe apresentavam agora. Desperdício de personagens, de luz, cenário, fotografia, de vida.
Tinha certeza de um momento mágico, de tudo se encaixar por alguns minutos, de um resplandecer espantoso. E agora não conseguia renunciar a tudo aquilo sem se importar. Era inevitável, tudo lhe importava porque era dela, era ela, era o que havia se prometido. Portanto, a lua não estava ali à toa, nem as ondas do mar sussurravam por acaso. Tudo fazia parte de um script, de uma longa pesquisa que já lhe roubara noites.
Talvez fosse hora de despedir o diretor, aposentar os atores, decretar falência do estúdio. Tinha pena. Tinha medo. Tinha raiva. Porque todos os recursos investidos estariam perdidos para sempre. Quem pagaria o tempo da lua? Quem lhe devolveria os ingressos já rasgados?
Desistiu da música. Fechou os olhos e deixou que tudo fosse embora porque talvez fosse preciso recomeçar tudo do nada. O nada talvez fosse mais criativo e generoso. Será?

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O PLANO


Vou roubar o seu tempo. Não tenho agora outra opção a não ser o crime. Se lhe der a liberdade de escolha, vai errar de novo. Eu sei disso, já provei outras vezes o equívoco dos seus sentimentos. Não há como permitir que uma nova tentativa fracasse.
Eu sei que é prepotência, egoísmo, cinismo. Mas é tudo em seu benefício também. Como vou ficar olhando você jogar fora a  grande chance das nossas vidas?
Tudo bem, estou exagerando um pouco. É só uma escolha, só mais uma decisão entre tantas, mas não podia decidir logo pelo melhor e encerrar o assunto?
O tempo já não me parece tão imenso assim para que eu possa ficar aguardando o melhor de três, a roleta girar, os dados serem jogados a sua própria sorte. Não, acho tudo tão inútil. Desnecessário mesmo.
Então, o plano é esse: vou roubar cada segundo do seu tempo. Por algumas horas, não se preocupe. Só o suficiente para que você possa ter a visão panorâmica do que interessa, do que me interessa. E me interessa muito. Não é um bom plano?
É isso aí, mãos ao alto, estou levando o seu tempo embora. Na boa, namora a possibilidade. Colabora com o meu crime. Vem errar comigo.

domingo, 1 de julho de 2012

ENQUANTO AGUARDO


Impaciente. Tamborilando os dedos na mesa já que não roo unhas. Se demorar um pouco mais, como um pedaço da vida e cuspo a espinha da ansiedade antes que me engasgue.
Não deveria demorar tanto. Deveria ser simples, fácil, fluido e delicado. Mas não! Tinha de complicar tudo, né, destino? Tinha de escolher bem aquele que não está tão disposto a desvendar meus mistérios. Não bastava ser desconhecido, tinha de ser desconhecido e ausente. Ausente e distante. Distante e ... sei lá, me perdi na lista.
Você vem ou não vem? Estou catando as chaves, vou trancar tudo e sumir. Some comigo. Some e consome logo o que tem por vir. Colore logo essas páginas para que eu possa reler tudo contigo. Ou então, viramos a página, rasgamos os textos, recortamos as figuras mais bonitas e colamos... as bocas. Sim, já passou a hora. Já venceu o prazo. Já perdemos o bonde, o trem, o avião e o jegue. Tá na hora, acorda, que eu não vou ficar de vez.
Eu aguardo. Lamento, me irrito, suspiro, chuto os bichos imaginários, mas aguardo. Xingo, bato no peito, no seu peito, mas espero. Arranho, grito, derramo o vinho, atiro os pratos gregos com ira italiana.
Enquanto aguardo, vê se prepara tudo. Vê se já vem pronto, não pela metade. Que de completar, já cansei de brincar.

NO CHÃO COM ASAS


Ela não tinha certeza de nada. Caminhava com o olhar fixo no horizonte. Seus sonhos despertados depois de mais uma tempestade. De repente, parou e ali ficou, inerte. Sua mente trançava pensamentos para que eles não se perdessem.
Sentou na areia úmida. Olhou o mar, sentiu o ar salgado e afundou sua alma no momento. Estava toda nua, de uma nudez imperceptível, plena e quase dolorosa. Nenhuma veste cobria seus sentimentos. Era tudo novo,  feito camadas descascadas de onde surgia uma pele nova, recém nascida de desejos em placenta.
A brisa fria do inverno anunciado não a incomodava. Tinha muito para aquecê-la nessas fugas repentinas. Fugia de um mundo velho, das suas convicções já tão desgastadas e valores dilapidados. Mas tinha sorte. Muita sorte. Porque possuia coragem de sempre experimentar o que não estava à venda. Oferecia sua vida ao lado mais estranho, ao desconhecido, a quem poderia nunca chegar.
Enfiou as mãos na areia para sentir aquele chão que a sustentava. Não era areia movediça, desta vez. Era quase firme, composto de milhares de grãos como estrelas nos seus sonhos. No entanto, não podia ignorar a presença das asas. Elas estavam lá, leves, enormes, a puxando para cima, para o alto dos seus anseios.
Sem perceber, ela se levantou. Olhou desconfiada para as asas fantásticas que tremiam com a brisa. Os pés fincados no chão. Mas que chão? Terra e água misturados que desejavam ser mar. Ela desejava também - não o mar, mas amar.