sexta-feira, 13 de setembro de 2013

DEIXAR IR


Cortou nomes, descartou fotos, anulou cheiros e gostos. Empurrou mesa, cadeiras, dias e noites para o canto mais distante. Se houvesse sótão, ali estariam guardadas lembranças e cicatrizes. 
O piso continuava riscado e sujo. Estrelas não deram conta de iluminar tudo. Era chão, devia ser mesmo assim: encontro com o real e a nua revelação. Algumas pegadas permaneciam visíveis pelo corredor. Logo a água dos acontecimentos tratariam de apagá-las, lavá-las sem nada argumentar. Alguma poeira a provocar tosse e arrependimento. Havia muito a fazer. Varrer ilusões, ocultar os cadáveres e mazelas do dia, era tudo o que ela queria. 
A impaciência ordenava mais rapidez e menos tolerância. Já devia estar tudo acabado mesmo antes de anunciada a primeira palavra. Que tivesse engolido as sílabas para que não mais houvesse dúvidas. 
Arranhar as paredes não traria alívio algum. Então, esfregou pele e fúria nos vãos e senãos. Ferida, exausta, em brasa, aquietou-se junto ao vazio que lhe convidava para uma última valsa. Rodopiaria sem compassos desperdiçados pela sala, pelos quartos, até cair tonta. Não mais sonharia assim, mas também não fecharia todas as portas e esperanças. Havia algo ali a ser explorado, arejado talvez. 
Abriu as janelas. A luz violou dor e ressentimento. Seus olhos acostumaram-se logo com a multidão de cores. Sentiu o vento entrar e colher cada uma das suas lágrimas. Até aquelas que não havia derramado. Era tão tarde para receber visitas. Era cedo demais para deixar de convidar sorrisos. 
Deixou ir vento e lembrança. Todas as expectativas de um distante momento. Libertou a si mesma. Sem amarras, foi a primeira a cantar. 

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