quarta-feira, 16 de maio de 2012

O CRAQUELAR DO MEDO

Ela possuía esse estranho hábito de se atirar. Mergulhava assim sem nem tomar fôlego. Era imprudente, apressada, atordoada, com aquela intensidade que lhe roubava o ar. Coragem? Nem pensava nisso. Só precisava ir, agora, já, naquele trem, entrar no vagão mais próximo. Partia. E às vezes partia o próprio coração, o fazia em pedaços e estraçalhava a alma sem pudor. Lágrimas rolavam, mas ela ainda estava em movimento. Parar não era uma alternativa.
De vez em quando, muito de vez em quando, ela escutava a voz do medo. Quando batia um vento gelado, quando a resposta não vinha de imediato, quando o silêncio era maior do que sua esperança. Aí, ela se deixava cair. Paralisava com receio do que ainda nem havia acontecido. Sentia-se rejeitada por não ser mais a favorita de um rei qualquer. Nem mesmo rei ele era. Era um qualquer. Mas o pavor era real e doía, rasgava seu entusiasmo e amolecia seu ego.
Não que ela se deixasse dominar pelo medo, mas ele a encostava na parede fria da dúvida. Então, não tinha outro jeito, precisava enfrentá-lo à altura. Quando podia, ia com unhas e dentes em busca da sua liberdade. Ninguém é livre com medo. Ela já sabia disso. Combatia as próprias lágrimas com uma força avassaladora que surgia como lava. Queimava, ardia e ela cuspia fogo. E daí, se ele não aparecer nunca mais? Se esquecer meu telefone, meu nome, meu cheiro, meu gosto? E daí, se nunca mais conhecer sua história? E daí se me arrancar da lista de amigos, da agenda, da memória, da vida? Serei menos eu? Terei perdido minha identidade secreta? Apagarei da face da Terra como cinza indesejada? Não, ela gritou bem alto na cara da vida. E o medo que enrijecia seus músculos e cobria todos seus sentimentos com uma camada envernizada, começou a ceder. Craquelou, produzindo fendas cada vez maiores. E através desse quebrar, a luz se deixou entrar e sair sem ordem.
Ela tinha esse hábito estranho de superar. Tudo e todos, se preciso. Imprevisível mistura de fogo e água, minúscula em alguns momentos e gigante em outros.
Ela era assim. E nem o medo podia com ela.

Um comentário:

Ana Silva disse...

Somos assim..um pouco bipolares...Pra viver um grande amor..um agrande paixão..a gente tem que se atirar sem medo..depois.. aí a gente para para sofrer..ou não..