quarta-feira, 10 de agosto de 2011

AS ESTAÇÕES EM MIM

Encontrei um texto de mais de vinte anos atrás. Reli minhas próprias palavras com certo espanto e ternura. Espantada com a densidade dos sentimentos daquela jovem que eu fui. Emocionada por ainda compreender o que senti, mas feliz porque tudo já se foi. E olhando assim de longe, da distância dos anos, acho que é uma história a ser contada, sem os castelos e sem o final feliz, mas linda por ser tão autêntica e vivida até a última possibilidade.

Quando mostraram o teu coração, eu já estava cega. Ainda assim, insistiram em te explicar em negativas. Mais de uma vez. Centenas de vezes, revelaram um conteúdo vazio, sem interesse algum. As palavras eram de uma precisão possível só a terceiros. Mil faces foram descobertas, checadas, devastadas. Tua vida inteira dissecada sobre uma mesa fria.
Depois de horas, gritaram qualquer coisa. Questionaram teu nome, teu interesse, teus passos. Comecei a perecer com medo do que me diziam. Minhas folhas trocaram o verde por tons acobreados. Fui me tornando outono.
Do meu cérebro, arrancaram tudo o que possuía teu nome. Fui ficando vazia, sem possibilidades. Prenderam-me os braços, já que eu não os cruzava. Mas, ainda falava e povoava o ar com mil lâminas afiadas. Nada detinha minhas palavras.
Por medo de novas ameaças, preenchi minha mente com fantasias. Fingi renúncia e traição. Que eles não enxergassem qualquer ponto de luta em tudo aquilo. Que eu conseguisse enganá-los até o fim.
Contentes com o meu abandono, ladearam-me de flores. Pude sentir os espinhos nos caules. Eram rosas. Vestiram-me de branco ou qualquer outra cor. Na ignorância dos meus olhos, conservei o negro em minha mente. Pintaram minhas faces, meus olhos e lábios. Disseram que tudo estava bem, que eu seria feliz.
Contaram-me lendas gregas e outras tantas romanas. Aprendi nomes de deuses e ninfas. Injetaram-me sangue novo. Redecoraram toda minha mente com cores vivas. Então, descobri, tarde demais, que tua lembrança estava aprisionada em mim. Longe, na mais alta gaiola.
Tentaram te mostrar evidente demais, sem possibilidades de perdão. Apresentaram-me um beco sem saída. Entreguei-lhes todos os meus sonhos. Só então recuperei a visão.
Sem sonhos ou fantasias, sem minha sagrada cegueira, era impossível fugir da realidade. Eles ali expondo tuas ideias , declarando tua culpá, tuas traições ignoradas por tanto tempo. Buscavam em mim a mais profunda mágoa para incriminá-lo. Estavam longe, longe como um enigma sem olhos.
Os momentos seguintes arrancaram minhas raízes. Meus cabelos foram cortados em uma noite fria. Já era inverno e minhas folhas apodreciam.
Gritaram todos os teus caminhos contra mim. Contaram teus passos sobre o meu entusiasmo, da tua indiferença, do teu silêncio, do teu abandono.
Arranhei mãos, cortei cordas, amaldiçoei-os até o fim. Havia palavras pulsando dentro de mim. Por mais que surgissem provas do teu distanciamento, por mais que pronunciassem tuas palavras como mentiras, tudo poderia mudar e mudou.
Então, ao terceiro dia de minha inexistência, atropelei todos os risos, toda descrença e olhei para tua gaiola. Quando enxerguei teus olhos inalterados em tua prisão silenciosa, reencontrei minha força. Podia ser miragem, ilusão, um mundo de mentiras, mas me manteria viva.
E não sei o que houve. Já não sei o que há. Se será, desconheço teus passos. Não posso responder por todos os séculos que virão. Sei apenas que o agora parece eterno e belo. O amanhã permanecerá intacto como um esfinge sem signos, quase na próxima esquina.
Todos os dias passarão. As folhas trocarão a seiva por uma última queda. Depois será outono e virá o inverno. O frio castigará minha vida e levará meus sonhos. Eles voltarão. Nada há a se fazer. Nem mesmo o registro da dor e da alegria superará a ignorância do amanhã. Somente o sentir, imune a qualquer tempo, saberá calá-los. E mesmo que minhas palavras, rimas e metáforas sequem, permanecerão em mim como nasceram. Serão teu nome, o meu sentir.



2 comentários:

Ana Silva disse...

Vc é inspiradíssima!

Anônimo disse...

Clau....já tinham me falado sobre as maravilhas que vc escreve...mas sinceramente Além de muito bonito, é muito forte e pra poucos....Parabéns amiga, pelo "dom" e pelo "sentir"...

Lan
Elaine Agostini