terça-feira, 9 de agosto de 2011

RITMO OCULTO

Possuía ares de dançarino de tango, desses que tumultuam salões inteiros e enchem de exclamações as bocas mais rubras. Uma mancha de cobre nos cabelos e palmas sempre úmidas. Seus passos descreviam um caminho incerto, mas convidativo. Algo de rude a lhe cobrir os olhos. Era como um vendaval desvendando mistérios alheios. Atingia as raízes mais fortes sem perceber porque o fazia.
O corpo não lhe bastava na terra. O ar não lhe enchia todo o ser e a água não lhe apagava o calor. Nem mesmo o fogo mais genuíno lhe tocava a pele.
Era assim sua própria inspiração. Os passos levando sua vida no vão de palavras nunca questionadas. Às vezes, enganavam o hábil dançarino com promessas e assim o tombavam. Sucediam milhões de tropeços, quedas e dores. Mas, suas pernas fortes o erguiam como um grande carvalho emergindo do solo árido. Houve dias em que lembrava cimento, asfalto, concreto. Tornava-se inflexível como suas próprias paredes. Em outros momentos, a areia caía-lhe no rosto e o fogo abraçava seu coração. Ardia como se fosse tomar a direção certa, como se fosse descobrir o mistério, como se, então, a verdade fosse sua.
De repente, um compasso qualquer lhe pareceu estranho. Não sabia mais dançar. Cercou-se do silêncio e interpretou todos os segundos seguintes. Acharia o momento certo. Acreditava em seus passos, na sua própria essência.
Após horas de agonizante espera, encontrou o compasso certo. Ardia de expectativa. Queria saltar ou correr, mas deveria apenas dançar. As notas voltaram a lhe parecer familiares logo nos primeiros passos. Seus pés dançavam, revelando um novo ritual.
Guardou todo receio na palma das mãos e continuou a obedecer o ritmo que surgia quase o rasgando por dentro.
Restava-lhe toda a madrugada. Todas as horas, minutos e segundos eram só seus. Era ainda um dançarino de tango. Desses que tumultuam salões inteiros e colhem suspiros pelos cantos. E na palma úmida, uma nova linha nascia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei do texto.
O saber, sem a arte de se criar, pouco adianta nessa vida. E muitas vezes ela nos provoca de alguma forma a descobrir nosso talento escondido.
Anderson Martins