quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

FANTASIAS RASGADAS

Ela sempre teve o dom de enfeitar a realidade com cores suaves e espalhar luz e magia pelos cantos. Adormecia com aquela fisionomia misteriosa, um misto de anjo e diva. Por onde andava, iam com ela as camadas de tule, de renda, de pequenas pérolas, tudo espalhado pelo caminho que pretendia ter como seu. Tudo parecia natural mesmo que fosse fantasia, mil voltas de tecido lúdico que lhe caiam como um véu.
Sorria como se nunca tivesse perdido. Nem rendas, nem brilhos, nem pedras. Tudo se sustentava naquele sorriso que se entreabria entre esperanças e promessas. O espelho refletia seus mil talentos multiplicados pelos dias de sua existência. Ela conduzia a vida com a maestria de uma grande imperatriz que renunciava à coroa para poder brincar de encantamento.
Suspiros eram mais frequentes do que palavras. Suas mãos guardavam flores e estrelas que ela soprava ao vento como oferendas ao deus da felicidade. Sim, ela acreditava nos dias felizes, nas noites de amor, nas promessas de finais inesquecíveis.
Por um triz, não escorregava na loucura. Por ser assim, duvidava da insensatez dos dias corridos. Absorvia o mundo como se dele só pudesse tirar a alegria. As flores delicadas enfeitando os cabelos a tornavam uma fada de contos infantis. Os olhos abriam-se e brilhavam de tantos modos que seria impossível contar.
Eu diria que ela foi assim: pra sempre feliz, mas não foi. Eu mentiria para atrair a simpatia de todos, mas seria maldade. Ela foi o que pôde ser, alcançou o que necessitava e arremessou alguns sonhos para um futuro longínquo. Arrastou o véu, os babados, as rendas pelo chão que nem sempre era feito de estrelas. E muitas vezes, precisou correr ou ajoelhar implorando por paz. E numa noite que ela jura ter esquecido, chegou a rasgar as fantasias com os dentes. Duvidou dos seus dons, estragou seus arranjos celestes, desdenhou da própria beleza. Porque a vida nem sempre é festa, nem sempre é linda, nem sempre nos convida para uma dança.
Eu não vou dizer que ela foi infeliz, porque não foi. No meio de tanta luz e alegria, soube dançar e seguir em frente, remendando as fantasias com a linha da desilusão. Preencheu os buracos feitos pelo cotidiano com pequenos mimos brilhantes e flores encontradas numa cesta chamada fé. A realidade nunca pôde mesmo com ela.




2 comentários:

Lúcia Carvalho disse...

Não sei o q dizer, não sou boa pra expressar sentimentos, muito lindo.

Ana Silva disse...

E assim somos todas nós...cair e levantar..a grande lição da vida! Bjos