terça-feira, 11 de dezembro de 2012

ALA PROIBIDA

 
Você será bem-vindo. Talvez goste do jardim no caminho da chegada. Olhe as flores e nem desconfie dos espinhos. Perceba o aroma de contentamento pela sua visita. Enxergue as pegadas quase apagadas pela trilha da coragem. Neste ponto, estará disposto a seguir em frente. São mais sorrisos do que lágrimas. É mais doce do que amargo. Olhos brilham, promessas são feitas, encontros celebrados.
Passando esse portal mais adiante, a história é outra. Eu pensaria duas vezes. Mentira, eu nunca pensaria mais de uma vez. Já teria entrado e estaria dançando no salão principal. Mas esta sou eu, danço não só conforme a música, mas até sem ela. Não posso exigir que você tenha a mesma loucura embutida em suas expectativas.
Se levantar os olhos, verá que da janela alguém lhe acena. O futuro talvez. Um vulto de felicidade, quem sabe. Uma ilusão perdida, não sei. As expectativas são altas como aquela torre. Não há Rapunzel ali, não há nem mesmo cabelo suficiente para uma trança. Desista, se precisar de ajuda para subir. Cada um constrói sua escada como pode. Só não atire pedras nas vidraças. Elas quebram e me cortam.
Se passou pelo portal, se alcançou a porta que divisa o seu mundo do meu, então já sabe o que virá. Que rirá do ridículo de algumas situações. Que se emocionará com muitas imagens e sentidos descobertos. Terá orgulho de tudo o que despertar em mim, de prazer a dor. Como se eu fosse quase intocável.
Então, verá aquela porta à esquerda, batendo junto ao coração. Correntes enferrujadas protegendo algo ou alguém. O que está fora ou o que está dentro? O desgaste da madeira indica a passagem do tempo por ali. Vê essas marcas? Não são decorações. Nem condecorações. São mutações. As minhas, todas minhas.
A curiosidade pode ser maior. A sensibilidade lhe leva a perguntar quais problemas há ali. Se pode ajudar, se pode ficar mais um pouco. Encosta o ouvido na porta e só escuta um eco ao longe. Nada de crianças brincando, fadas gargalhando, ciganas dançando. Talvez um crepitar de fogo. No geral, o que há ali é silencioso e pesa feito chumbo em noite de tempestade.
Pedirá licença para entrar ali. Ouvirá alguns nãos, algumas advertências. Acusará frieza, delatará insensibilidade de iceberg. Mais por impaciência do que por orgulho ferido, eu abrirei a porta. Vê? Não há uma geleira aqui. Antes fosse, não é mesmo?
Ao olhar seus pés, perceberá algo lamacento se aproximar. Lava ou areia movediça? Que tal os dois juntos? Tudo é quente, pesado e afunda. Nessa altura, se perguntará o que está fazendo ali. Natural que assim seja. Mas foi você quem quis entrar, lembra? Com a emoção evaporando, eu direi que não preciso de ajuda ali. Que não pedi ajuda. Que não exigi nada. Só não me peça exclusividade emocional com a alegria.
Posso fechar a porta? Nem descemos os degraus, eu sei. Que necessidade há nisso? Me diz como não ter vontade agora de fugir. Conta os traços na parede. Olha quantos dias, semanas, meses e anos se passaram. Não sobrevivi bem até hoje? Não enchi a casa de flores e os olhos de graças? Voltemos a minha natural vocação para a alegria. Falemos sobre o meu talento em fazer você feliz. E nunca mais voltemos para cá. Ala interditada.
 
 


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