domingo, 5 de janeiro de 2014

CINCO PIANOS E VINTE E UMA PORTAS


 
Era uma casa diferente, nem engraçada, nem torta. Na verdade, estava mais para encantada. Com seus cantos e poucas quinas, abrigava família e sonhos. Ah, quanto encanto pelos corredores!

O lar daquelas cinco mulheres em roda e apenas dois súditos. Eles, cavalheiros não menos importantes, acostumaram-se ao feminino domínio. A casa das cinco mulheres e seus cinco pianos. As teclas vizinhas, as meninas tão próximas e a música tomando conta do que ali se chamava vida.

O jardim mínimo crescia e, sem espaço, invadia tudo o que podia alcançar. Um esboço do que seria um secreto recanto, de onde surgiriam joaninhas pintadas de carmim. Talvez pela explosão de cores e a delicadeza de pétalas, alguma das meninas cresceu achando que a beleza das flores fosse triste porque findava.

As paredes de concreto não deviam ser. Talvez fossem de claves empilhadas e tivessem alguns acordes como pilares. Tijolos não havia ali. Sonhos trançavam melodias e se ouvia de longe contos de fadas transformados em canções.

Há quem diga que aquele castelo nunca existiu e que alguém errou na contagem das portas. Não eram vinte e uma, talvez vinte, quem sabe? Mas a menina repetia a tabuada do três e lá vinha a ladainha – três, seis, nove, doze, quinze, dezoito, vinte e um. Três vezes sete. Três vezes o sete como as cores do arco iris, pois aquela era a família que encantava.

Com tantas portas, havia de existir alguma trancada. Ora, ali não havia disso não. Se chuva não aborrecia, as janelas se abriam hospitaleiras para borboletas e pássaros. As portas não mereciam trancas, pois eram de fato vinte e um portais mágicos.

Enquanto a Rainha Mãe preenchia a lenda de compassos memoráveis, as meninas dedilhavam sonhos que nunca mais esqueceriam. Senhora do império infinito reunia as filhas em volta das pilhas de partituras preferidas. Nota por nota, decoravam os olhares maternos como ostras alquimistas. Depositariam pérolas onde só se via areia. Um grão. Somente um grão e a joia dali brotava. Era mais amor do que valor.

As chaves escondiam-se no vão dos dias. Não tinham serventia, já que ali não se fixavam segredos. Vinte e uma voltas, de todos os meses transformados em anos. Meninas ganhando vestidos de festa, bordando recordações em lenços de renda. Pequenos bilhetes rabiscados com as risadas das fadinhas em sapatilhas de ponta. Cresceram, em sorrisos multiplicados, em romances vivenciados, seguras do amor herdado.

Pianos recebiam escalas e carinhos. Mais um solfejo que amanhecia alegria. Dos arpejos aprendidos, eram vinte e uma as sombras que na melodia se escondiam. Espelhos de cristal, espalhavam reflexos dos cinco pianos. O que havia ali ninguém contou, apenas se revelou.



 

 

 

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