domingo, 10 de março de 2013

PÉS DESCALÇOS

Quando viu, já estava com os tornozelos cobertos. Havia entrado com os dois pés sem verificar a temperatura, a profundidade, os riscos. Só então, percebeu que não era profundo. Era raso. Superfície plana, um tanto pedregosa, consistente e só. De onde vinha então a sensação de areia movediça? Do arrastar contínuo de um rio subterrâneo, sem pressa, sem definição de rumo?
Ficaria ali, chutando a turva água como quem brinca de provocar o destino. Quando acenou com a mínima curva decrescente, ambição de cachoeira, o encanto virou as costas. Já não estava ali.
Seus olhos escureceram-se como se vestissem as nuvens do desapontamento. Estendeu os braços não mais para buscar aconchego ou destinação, mas para mostrar os cortes que se abriam. A quem, não sabia dizer, já que aquele olhar não mais lhe aquecia. As costas, o andar distanciado, a vagareza de um abandonar sem culpa. Tudo indicava outro caminho, trilha perigosa, em pleno deserto de opções.
Arranhando os pés na impossibilidade, ela afundou desejos incontáveis. As margens estreitavam-se em busca de uma união que não aconteceria. A profundidade não viria por mais que ela mergulhasse em cada onda de sonhos.
Era hora de firmar bandeira e vontade em território que levasse seu nome. Talvez fosse ali mesmo. Talvez fosse além das camadas de areia, limo, aflição e finas redes de segurança. Só, como amazona que assume sua identidade com as forças invisíveis. Pelo ar invasor, por toda terra pisada, água rebatizada e  fogo purificador. Pelos elementos, aceitava afinal, os pés descalços de destino.


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