sábado, 27 de abril de 2013

MELHOR AMIGO

Sentia falta dos salões cheios. Da música alegre de fundo, dos casais valsando ou em plena corte. Sentia saudades dos galanteios, do vinho compartilhado, do tilintar das taças de champagne. Das risadas abafadas pelos leques. Do piscar de olhos diante da chegada de um cavalheiro estranho ao grupo. 
Como qualquer dama renegada pelo seu tempo, ela esperava por um momento melhor. Um truque qualquer que a devolvesse ao seu mundo. Aos saraus inocentes e duelos de honra. Desafios mentais que a faziam erguer os olhos e atravessar corredores imensos.
Misturava sotaques nas lembranças. Tinha todo o universo de rostos em segundos. Ele estava lá, presente, amigo para os seus olhos e ouvidos. Mais alto do que parecia se fazer no anonimato de sua nobreza, mais magro do que deveria ser. A bengala ônix quase uma fênix em definição. A mão direita sempre passando pelo cavanhaque. No meio de tantas sombras, o sorriso era sempre uma surpresa radiante. Não se esperava a claridade vindo tão livre e perfeita.
Havia boatos espalhados pelos salões. De um romance que jamais existira entre os dois. Era só amor. De um jeito que não satisfazia os observadores. De uma raiz que não se aprofundava em solo alheio. 
Ficariam ali, de mentes e mãos dadas por longas horas. Conversariam sobre tudo e sobre todos. Ela mais falante, ele mais soturno. Ela ainda tão jovem, ele caminhando para o outono. 
Pela liberdade, a moça desafio família e sociedade. Escreveu, brilhou, riscou do mapa os desafetos. Não se casou. Colecionou amores e dissabores. Motivou duelos, sangrou por muitos, derramou lágrimas em vão. Perdeu as contas de quantos ramalhetes recebeu, de quantos bilhetes releu sob a chama de velas, de quantas incertezas lhe cercaram nas noites frias.
De tudo, de todas as horas e honras, de todos os acontecimentos coloridos perdidos, do que mais sentia falta era da presença dele. De não precisar falar, de só pensar e calar qualquer suspeita. De projetar as luzes da amizade e receber luvas e graças.
Sentia falta dele, mesmo que a roda da fortuna girasse tão rápido e o trouxesse em dias atrasado e refeito. Ninguém mais precisava compreender o que ele lhe desembrulhava na alma. O irmão que lhe sustentava nas crises. O amor que não lhe cobrava nada além da própria felicidade. Seria para sempre o seu melhor companheiro, sem ares românticos, mas o mais próximo de uma alma geminada. Seu mais caro amigo, por séculos comungado no mais puro bem querer.

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