domingo, 21 de abril de 2013

VAIDADE

Lá vem mais uma. Se não me abaixar o suficiente, a onda me pega. Então, mergulhada em mim mesma, terei a dimensão de tudo. No fundo, sereia tem seus momentos de bruxa do mar. Enroscada em algas de elogios, me prendo a detalhes. De vez em quando, arranho meus pés em conchas quebradas. Ilusões massacradas pelo momento, espatifadas entre a areia do tempo. 
Não pergunto a espelhos porque minha visão ainda é boa. O reflexo não se turvará o suficiente para me enganar. Mesmo assim, sorrio para a imagem decomposta em mosaicos. Temos uma história. Nem sempre conto de fadas. Pequena sereia, atolada em recifes de corais. Cabelos de fogo em águas cristalinas. A chama da vaidade nunca se apaga, mesmo sob toneladas de realidade. Cachos de leviandade, de prazer conjugal com Narciso. Chuva cabotina de pétalas sem espinhos. 
Se minha beleza é só minha, não devo pretender que os outros a notem. Vez ou outra, deixo-me escorregar no limo das pedras. São tão preciosas para mim, brilham e ofuscam meu bom senso. Sim, eu acredito em todas as gentilezas, em todas as minhas qualidades expostas fora das ostras. Tenho pouco tempo para demonstrar humildade e sabedoria. Eu me curvo às evidências, às bajulações que meu cérebro me dita. Caprichoso intelecto que me priva de melhores sentimentos. 
As ondas também me atiram contra os rochedos. Sobrevivo? Arranhada, meio quebrada, em concha guardada. Prisioneira de muitos mares e amores, testemunho meus cortes e aceito os valores que me trazem. Submersa estou. Dispersa em sonhos e palavras. Orientação de naufraga arrastada pelo cotidiano. Sou o que acreditam que eu seja. Repleta desses nomes e conjugações com que me vestem. Embrulhada em constelações dos que me querem bem. Enaltecida pela revolta dos que mal me julgam. Sou. Inteira. E me envaideço disso.


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