terça-feira, 14 de agosto de 2012

TALVEZ NA PRIMAVERA

Ela encontrou as últimas folhas caídas pelo chão. Cores mescladas em tons sutis. Sentiu vontade de amassá-las e triturar suas estruturas sem seiva alguma. Não seria crueldade, porque nada ali mais existia a não ser a lembrança do que já havia sido vida. Um amor passado, apagado pelo tempo. Um brilho desperdiçado em um momento de luto. Uma ilusão muito além ceifada. Tudo viraria pó espalhado pelo vento. E  isso também era belo.
Espalhou as folhas com os pés. Descalços. Cansados. Remexeu no próprio passado, nas emoções que se acobreavam dentro de si. Adquiriam veios enferrujados, perdidas cores que desbotavam em contornos tênues. Ela também parecia desaparecer aos poucos. Sentia-se misturar com o solo, com o barro formado pela última chuva em apressada alquimia.
Já não sabia se havia lágrimas ou apenas a chuva de um último dia. Ou o orvalho encantado da penúltima lua cheia. As folhas desfazendo-se sob o sol, as minúsculas partículas de esperança grudando-se nas solas de seus pés.
Ela poderia ter suportado o inverno, aquele e outros mil. Ela teria esperado passar a chuva ou até se deixado lavar, levar, enxaguar, desmanchar.Teria seguido mais adiante, explorado as colinas mais distantes e deitado na relva na companhia mais incerta. Ela queria tudo isso e teria desejado ainda mais se lhe fosse ofertada uma possibilidade. As recusas, no entanto, não eram tão sutis como os tons que agora se multiplicavam. Eram duras, pesadas e  quase definitivas. Desdenhavam do seu sorriso, do seu querer ficar, do impulso mais corajoso que sempre lhe vinha.
Não cabiam mais em seus olhos as negativas refletidas. Não encontravam ali pouso algum. O ciclo jamais se findava porque nada era finito. A vida experimentava novamente o dom de se renovar. E sempre havia a primavera ali, logo na esquina. Assim, aguardava estrear, a princípio tímida em botões pequeninos e aos poucos se tornando exuberante e explosiva. Proclamaria um escândalo de cores e seria ela própria um recomeçar. Talvez fosse essa toda a verdade. Guardar o entardecer até que as flores amanhecessem. Sim, sempre haveria a primavera e dela não fugiria.

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