segunda-feira, 4 de maio de 2015

DEPOIS SEM ANTES



Ela revirou as cinzas, acalmando as últimas brasas que teimavam em avermelhar o passado. Ainda podia sentir o calor dos últimos dias, o abraço morno de uma lembrança, o chamuscar da esperança. 
Suas mãos, assim como o coração, esvaziaram-se de promessas. Não havia ali tristeza ou mágoa que durassem mais do que um por de sol. 
No alto da estante, ela escondia o mundo. Na prateleira acima dos seus sonhos, guardava o resumo dos seus dias. Equilibrada nas pontas dos pés, balançou a pouca razão, deixando cair os últimos estilhaços da ilusão. Cortes, manchas, alguma dor, por que não? No chão, o resto das estrelas que mal chegaram a brilhar. Eram apenas lembranças de um sol que não habitou a verdade.
Em volta, o silêncio fazendo reverência à força feminina. Pausas penduradas no varal, secando em lenta aceitação. O olhar vazio de lágrimas ou arrependimentos. Olhos de quem já reconhece o caminho e não adormece em mentiras. 
Depois de varridos, cinzas e descuidos avolumaram-se no canto à espera de esquecimento. Ele viria, mais cedo ou mais tarde. Ela apostava no mais cedo, pois já percebia a tempestade a lhe revirar pelo avesso. Já não caminhava com passos dúbios. Não abrigava mais a tormenta de uma espera. 
Durante a tempestade anunciada,com a já devastada coragem, ela recolheu-se ao mais íntimo momento. Em meio às cinzas, fez poesia como nunca antes. A calma expandiu-se no espaço entre as horas e o sono. Então, ela entendeu que o antes nunca existira. O antes era o nada. E o nada não tinha mais nome.

Nenhum comentário: