domingo, 3 de maio de 2015

RECUE TRÊS CASAS E SE CALE



Os dados rolaram sobre o tabuleiro do destino. Dedos ágeis embaralhavam cartas enquanto outros tantos faziam suas apostas. A expectativa era enorme, a adrenalina inundava o organismo e o sangue pulsava nas têmporas. 
Ela ocultou o medo que sentia sob um sorriso que há muito já aprendera a simular. Seus olhos mudavam de cor camuflando os sentimentos que lhe invadiam mente e coração. 
No veludo rasgado da mesa, as cartas caíam uma a uma, em lenta progressão de sentidos. Ela já sabia, pois relia a mesma história durante anos. Aprendera a decifrar os sinais dos jogadores, a identificar os poucos apostadores que jogavam limpo. Eram os que ficavam menos tempo no salão. Esperava que algum dia, um deles lhe tomasse a mão e a levasse dali. Que apostasse nela, com todos os riscos que havia em sua vida. Mas, claro, isso não era o que acontecia.
Noite após noite, inverno ou verão, diante de rostos belos ou não, os dados escorregavam das mãos e o jogo recomeçava. 
Ela ganhou algumas vezes. Ciente de que não ficaria ali para sempre, de que um dia cansaria de errar a mão de cartas, de que talvez merecesse ser feliz. 
As cores das fichas brilhavam no escuro
do desconhecido desejo. Fosse o que fosse, um dia se mostraria. Ela já sabia que podia perder mais do que ganhara. 
Sabia que a fumaça, a música e as palavras gentis confundiam seu raciocínio. Já era hora de retornar ao seu lugar, de vestir-se com a calmaria antes de formar tempestade. Aceitaria o julgamento frio que logo viria. 
Olhou suas mãos e as viu como sempre: limpas. Nem sangue, nem mentiras. Fora inteira, nem tão bela, nem tão especial, mas verdadeira do começo ao fim. Por isso, não se importou de deixar cair as lágrimas junto com os dados. Contaria as casas a voltar e pararia o jogo. Calada.

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