domingo, 3 de junho de 2012

A ESCOLHIDA

Olhava a moça de canto de olho. Cismada, entre a inveja e a vontade de chutá-la dali para longe. Como teria chegado ali e tomado posse daquele trono? Com a beleza contrastante, as palavras sensuais saindo como pérolas e lágrimas de cristal? Usando todos os seus artifícios de deusa? Inútil tentar não sentir raiva. Ela despertava fúria e surpresa, entre as montanhas de elogios que deslizavam pelas suas costas. Rosas atiradas pelo seu caminho, com os espinhos devidamente retirados e fincados nas outras mulheres que assistiam ao espetáculo romântico.
Era linda, a escolhida. Mas não se podia definir sua beleza pelos padrões e sim pelos uivos apaixonados que se faziam ouvir por todo o caminho.
Não importava que fosse só de um a escolhida, mas era do que não devia ter feito tal escolha. Afinal, ele já era o escolhido de alguém na multidão, cultivado no jardim das suas ilusões com carinho e quase obsessão. E agora, tinha de ser arrancado tal erva daninha, machucando a mão daquela que só queria regar o solo e ninar a semente da sua paixão.
O destino, o mar revolto dos acontecimentos, tudo conspirou para que outra soprasse para longe qualquer possibilidade de apego àquela que olhou e gostou.
Não dava para contestar a escolha. Não era possível retirar dos olhos do amado aquele brilho que cegava. As palavras surgiam como farpas, como agulhas que espetavam e ensurdeciam qualquer esperança. Não dava para competir com aquele sentimento, com aquela falta de senso, com tanta emoção dando voltas.
Raiz e farpa arrancadas com choro silencioso. Buracos tampados, água atirada e arado puxado. Vontade de queimar até tornar infértil o campo dos sentimentos. Para deixar de sentir o calor dos outros, para renunciar à possibilidade de avalanche, para suportar melhor o enterro dos sonhos.
E já que estava ali, decidiu prestar homenagens à escolhida. Não por dever, mas por falta de opção, por saber que um dia também poderia ser a escolhida. E  talvez escolhesse não ser.

Um comentário:

Ana Silva disse...

Sua postagem me fez lembrar das músicas da ADELE BJOS