Olhou para a televisão para observar aquelas mãos deslizando pelo teclado reluzente. Parecia uma espécie de mágica. O pianista sorria, fechava os olhos agradecido por algo sobrenatural. Então, ela entendeu. Não precisava explicar nada mais porque já era um acorde perfeito. E ela acordou no compasso seguinte.
Os meses anteriores tinham sido exaustivos. Fora feliz em alguns momentos de desenfreada esperança, de sedenta procura pelo esquecido, de palpitações quase adolescentes. Mas já se cansara de todo aquele ritmo alucinante. E agora, exausta, empurrava as malas cheias de melodias para o canto. Havia pouco espaço, mas ela não precisava de mais. Empilhou suas expectativas com cuidado. Enviuvará do querer tão de repente. Ah, ele morreu, dizia várias vezes por dia. O desejo, o querer, a paixão, qualquer nome que tivesse, morrera. E quando o pianista tocou o último acorde, abandonando as teclas, ela fez o mesmo. Em silêncio, sem alarde, porque de escândalo já bastava a liberdade.
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