segunda-feira, 11 de junho de 2012

A VÉSPERA


Paula olhou novamente a data na agenda. Sim, ela ainda usava agenda convencional, dessas feitas de papel. Embora aproveitasse toda a tecnologia existente, gostava do contato do papel, da sensação de concretude que aquilo lhe passava. Alisou a folha com certa impaciência. Sim, vivia a véspera do Dia dos Namorados.
Um coração desenhado apressadamente estampava a página seguinte. Era um coitado de um órgão pulsante quase anêmico equilibrando-se em uma linha no papel. Estava só, pintado de vermelho vivo bombeando sangue e esperança aos olhos de Paula. Ingenuidade de adolescente ? Talvez. E por que não? Afinal, a sua idade cronológica ia  avançando sem dar satisfações à alma jovem que permanecia assim teimosa e ardente. 
Tamborilou os dedos sobre a mesa. Arrancar a página? Esquecer a data? Mandar flores para si mesma?
Tentou ignorar o coração, ou melhor, os dois corações: o que lhe batia no peito e o que lhe fitava covardemente do papel. Pegou uma caneta e ensaiou um rabisco sobre a figura rubra, mas não se atreveu a tocar suas linhas. Era como manchar sua inocência ainda preservada em papel de seda. Deixaria a marca ali, suspeita, lembrança de um dia cheio de laços, bombons, flores e beijos. Ainda gostava desse dia, com todo o seu peso comercial, mensagens sem originalidade e o empurra empurra dos vendedores.
Ah, ela tinha prazer em ver os jovens casais desfilarem sua inexperiência tão alegre, tão vibrante, distribuindo beijos e abraços. Não era inveja. Era admiração pelo intocado sentimento ali tão visível, quase palpável. Queria isso também para ela, mas no seu tempo, mas que esse tempo fosse logo.
Paula riu lembrando-se de suas amigas que zombavam do seu romantismo, da sua paixão desorientada, do seu predomínio de cores fortes. Umas, depois de experiências desastrosas, haviam resolvido se fechar, em luto desnudo, afastando qualquer possibilidade de romance. Pareciam sábias senhoras, sensatas em suas colocações prevendo tragédias sempre que alguém mencionava as palavras namorado, amor, beijos. Estariam assim, protegidas de toda ira do deus Eros, sublimando qualquer nuance de paixão. Outras amigas riam, choravam e se afundavam em desespero, mas teimavam em viver cada dia intenso de uma novela mexicana , com os seus momentos felizes e outros nem tanto. Tinham sempre o brilho inalterado nos olhos e lábios receptivos a sorrisos. Paula ria com elas, achava que eram meio doidas, mas eram mais vivas, mais interessantes e felizes.
Optou pela insensatez, então. Levou os lábios ao papel e beijou o coração desenhado. Fosse o que fosse, quem fosse também, seria sempre assim doce menina, mulher apaixonada, face voltada ao fogo e pés subindo no degrau do otimismo. E de lá, do alto de sua irritante alegria, gritou em letras de forma vermelhas - FELIZ DIA DOS NAMORADOS. E assim, deixou a agenda aberta, recebendo os beijos de Cupido que visitava seus sonhos.

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