domingo, 20 de janeiro de 2013

CANTAR AS PALAVRAS

Ela não era mulher de se debruçar sobre as qualidades alheias. Observava, admirava e consumia o que vinha depois. Só aquela vocação específica lhe roubava a atenção, empurrando-a para as raias da inveja. Cantar. Como que revelando a alma em trinados ausentes. Mas sua garganta permanecia detentora de compassos acéfalos. Ansiava voar na extensão musical, afinar a voz em intervalos invisíveis.
A outra também a observava. Camuflada no seu canto. Sim, invejava a mulher que tecia histórias inteiras de simples ideias. Poderia cantar esses poemas, essas prosas absurdas. Mas não eram dela. Apenas as jogava ao ar, para ouvidos atentos que percebiam ali o mar revolto de palavras acariciando a melodia. Deslizantes andamentos, em cadência rítmica velada, imitavam o bater do coração.
A moça das palavras fechou os olhos para fingir que sua alma estava naquela voz que enchia o mundo. Como se a cantora pudesse se alongar tanto que alcançasse estrelas e lua com a sua voz. As notas derretendo-se como chocolate nos minutos da canção. Não teria fim. Não tivera início. Os acordes iniciais apenas jogavam o tapete vermelho da paixão para que a voz penetrasse.
Duas almas de costas uma pra outra, como elementos complementares que se chocam sem necessidade de entrega. Luas de um mesmo planeta, assustados talentos que se entrelaçam no espaço. Pelo amor que trazem, refletem a luz do sol que buscam uma na outra. Clara constelação de notas que se torna poema e flor.

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