sexta-feira, 5 de julho de 2013

MIRAGEM

Ela cruzou e descruzou olhares em questão de segundos. Não era mais impaciência. Era pura exaustão. Cansada de tantos desfiles de palavras e flores estendidas. O desejo instalara-se nos olhos daqueles que ali estavam. Alguns doces, outros traiçoeiros. Os próximos, decerto, servis e pouco atentos. 
Ela recusava pedidos com nãos inaudíveis, balançar de cabeça, silêncios embaraçosos. Perdera a compaixão no terceiro olhar que lhe convidara para descobrir mais de si mesma. Seus pensamentos sombrearam-se com o peso daquelas ameaças gentis. 
A chuva batendo lenta e constante encharcava suas esperanças. Desmancharam-se por completo as ilusões como barquinhos de papel navegando por águas turbulentas. 
E ali estavam eles, quase formando fila. Em ordem decrescente de expectativas, caminhando lentamente para um desfiladeiro desconhecido. Por que continuavam ali? Por que simplesmente não davam as costas e esperavam o veneno se dissolver?
Inesperadamente, ela abriu um sorriso. Havia sol afinal, no quarto da sua essência, adormecida constelação de humores agora se espreguiçava. Felina disposição se acautelava preguiçosa sobre as teclas de marfim. Cansara-se de tudo, inclusive de si mesma. Era tarde demais para deixar-se envelhecer em tristeza aguardente. Melhor seria expandir o que nela habitava como fonte serena e certa.
Eles lá permaneciam em uma desordem calculada, rascunhos de si mesmos, redesenhados milhares de vezes. Mesclavam suas individuais vontades aos rumores de felicidade. Tontos, embriagados, cavalheiros sem damas, enfileirados devaneios. 
Um a um, estendendo mãos, corações, intenções. Abençoados ora com um sorriso, ora com um talvez. Deixavam os vãos do salão com certezas guarnecidas de sonhos. 
Era ela a deusa do nada, guardiã do que não se pode reproduzir, o espelho de todos os horizontes. Parecia muito, até demais, mas era apenas o que lhe concediam na miragem dos seus próprios corações. 

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